terça-feira, 11 de maio de 2010

[Ana e Bruno - Parte IV]

- Amor, acorda!
- Ahn?...
- Ana, amor, acorda!
- Que é que foi?
- Amor, você sabe que dia foi hoje?
- Ah, Bruno! Não vai dizer que você me acordou só pra perguntar que dia foi hoje!
- Foi quinta-feira, amor.
- Quinta-feira? Tá. Então significa que amanhã é sexta-feira e se eu não dormir agora não vou conseguir ir trabalhar. Boa noite.
- Amor, a gente tinha combinado. Quinta-feira é dia de discutirmos a relação.
- Ah, não dá pra deixar para amanhã?
- Não, Anita, tem que ser hoje. Não podemos quebrar o combinado logo no primeiro dia.
- E se a gente transferir para sexta-feira?
- Sem chance. Já somos adultos o suficiente para cumprirmos o que nos dispomos a fazer.
- Ah, meu senhor... Já vi que não tem jeito, NE?
- Não.
- Ai, ai... Então tá, né? Vai. Começa.
- Hum... Bom, eu fiz um roteiro de perguntas que devemos fazer um ao outro para começar, o que acha?
- É... Bem a sua cara...
- Caham! Primeira pergunta: Ana, durante esta semana ou em qualquer outro momento de nossas vidas, eu fiz algo que você não gostou?
- Não, Bruno. Não fez nada.
- Ótimo! Agora é sua vez!
- Vez de quê?
- De me perguntar, ué!
- Perguntar o quê, Bruno?
- Se você fez alguma coisa que eu não gostei.
- Ah... Eu fiz alguma coisa que você não gostou?
- Quando? Determine o tempo.
- Ah, sei lá, Bruno! Qualquer dia!
- Hum... Bom... Na verdade, fez sim.
- O quê?
- É que eu não gosto quando você chega em casa, vai pra cama e dorme sem mal falar comigo.
- Eu chego cansada do trabalho, meu amor.
- Eu sei, eu sei. Mas eu espero você chegar, todo feliz e com saudades e você age como se eu não tivesse importância na sua vida.
- Meu amor, você é a coisa mais importante da minha vida.
- Então promete que vai tentar mudar?
- Eu posso tentar...
- Porque este é o objetivo de discutirmos a relação.
- Ok... Eu prometo que vou tentar.
- Ótimo! Segunda pergunta: eu tenho alguma mania e hábito que você ache irritante u feio?
- Hum... Não que eu me lembre.
- Agora faz a pergunta.
- Ahm... Eu tenho alguma coisa que irrite você?
- Bom... Eu não gosto muito quando você deixa suas calcinhas penduradas no chuveiro.
- Bem, eu também odeio quando você deixa o chuveiro no inverno.
- Então por que não falou quando eu perguntei?
- Porque eu acho que faz parte do casamento suportar algumas coisinhas.
- Mas é pra isso que estamos discutindo a relação, Anita! Pra tentarmos mudar as pequenas “coisinhas” que podem desgastar nosso amor!
- Ai, tá bom! Não grita!
- Não tô gritando!
- ...
- Além do chuveiro, tem alguma outra “coisinha”?
- Essa sua mania de usar minhas palavras contra mim.
- Eu não estou “usando suas palavras contra você”.
- Aí! Tá fazendo de novo!
- Não estou!
- Não grita!
- Humf!
- ...
- ...
- Acalmou?
- Eu não estou nervoso.
- Que bom. Terminamos?
- Não. Já que começamos a falar de manias irritantes, vamos falar da sua mania de não lavar os pés antes de deitar.
- O que tem isso?
- Tem que eu acho nojento dormir na mesma cama de um par de pés sujos.
- Se não gosta, vai dormir na sala.
- Anita, não é por aí! Você tem que prometer tentar mudar!
- Ah, Bruno! Eu agüento tanta mania irritante que você tem e você não pode agüentar umazinha minha, que seja?
- Será que você não percebe que estamos discutindo justamente para mudar algumas ações e melhorar nosso relacionamento?
- Bruno, nenhum relacionamento é perfeito.
- Justamente! O nosso pode ser!
- Se nenhum relacionamento é perfeito, o nosso não pode ser. Se for perfeito não será mais um relacionamento.
- Isso, na teoria. Na prática dá pra ser.
- Ah é? Então porque você não joga fora aquela sua camisa velha e mofa?
- Eu não posso fazer isso. Aquela camisa foi autografada pelo Clint Eastwood. Tem um valor inestimável.
- Não deixa de ser uma camisa velha.
- Você não entende o valor de um autógrafo.
- O cara só rabiscou lá. Nem dá pra saber se tá escrito “Clint Eastwood” ou o hino da França de trás pra frente.
- Mas é um rabisco do Clint! Sinto muito, mas não posso jogá-la fora.
- Então eu também não posso lavar os pés antes de dormir.
- Isso é completamente diferente.
- Não vejo nenhuma diferença.
- Lavar os pés é uma medida de higiene. A camisa é uma relíquia!
- A camisa é um criadouro de traças!
- E os seus pés são transportadores de germes!
- Larga de ser maníaco, Bruno!
- Pára de implicar com o Clint!
- Não tô implicando com o Clint! Só não agüento mais essa camisa nojenta!
- Não é nojenta! Você por acaso diria que o Santo Sudário é um pano velho e nojento?
- Bruno, é completamente diferente.
- Não vejo diferença nenhuma.
- Tem toda a diferença.
- Você não me entende.
- ...
- ...
- Olha, dá pra gente dormir?
- Vai, Ana! Dorme! Não tô impedindo!
- Amor, eu tenho que levantar cedo para trabalhar.
- Já falei que não estou impedindo!
- ...
- ...
- Desculpa.
- ...
- Eu prometo que vou começar a lavar os pés antes de dormir, certo?
- Eu não vou jogar o Clint fora.
- Não precisa. Eu sei que é importante pra você.
- Jura?
- Aham.
- Ah, Ana! Eu amo você!
- Eu também amo você.
- Prometo que vou começar a voltar o chuveiro pro verão quando eu terminar o banho, tá?
- Isso. Obrigada. Agora vou dormir, tá?
- Tá! Quinta que vem a gente continua.
- Boa noite.
- Boa noite!
- ...
- ...
- Bruno...
- Oi.
- Mas bem que você poderia jogar aquela camisa velha fora, né?

sexta-feira, 7 de maio de 2010

[Vida Cigana]

Postado originalmente em 8 de novembro de 2008

Pronto. É só eu começar a me acomodar em algum lugar que começa, lá bem no fundo das profundezas da minha alma, que me vem aquela antiga vontade de mudar, virar tudo de cabeça para baixo e começar do zero novamente.

O pior é que as mudanças são cada vez maiores. A primeira vez que eu me lembro de ter tido esta vontade foi... vejamos... provavelmente quando o útero da minha mãe começou a ficar um lugar muito chato e apertado para se morar e eu resolvi nascer.
Depois disso eu tinha uns 3 anos quando decidi que ser filha única era muito chato e sem graça, e resolvi pedir uma irmãzinha para meus pais.
A partir daí eu dei uma acalmada. Talvez tenha sido a mudança radical da maior para a menor cidade do Brasil que me tenha dado uma falsa sensação de eterna mudança. Como se isso fosse possível em Águas de São Pedro.
Enfim, fora as mudanças semanais da posição dos móveis no meu quarto, só voltei a mudar novamente quando fui levada para Goiânia. Aí baixou o capeta, as roupas foram ficando cada vez mais pretas, até por fim eu resolver pintar o cabelo (de preto). Foi um êxtase. Por cerca de um ano aquilo foi a mudança mais maravilhosa que eu já havia feito.
Mas tudo uma hora cansa. Com o cabelo não foi diferente, cansei de pintar e resolvi deixar o loiro natural crescer e partir para mudanças em outras áreas da minha vida.
Decidi finalmente que era hora de beijar. Oras, uma hora eu tinha que entrar para a vida agitada e beijoqueira dos adolescentes, né? Pois bem, beijei. E beijei de novo. E outra vez. Mas desta vez enjoei rápido; comecei a namorar.
E agora tomo um fôlego bem longo para contar resumidamente todas as mudanças nos últimos dois anos e dez meses desde que embarquei neste namoro:

- Saí da casa dos meus pais
- Mudei de cidade
- Fui morar com meu namorado
- Me tornei menos arrogante, mais sociável e levemente mais tolerante
- Mudei de cidade
- Fui morar com meu namorado na casa de alguém que eu nem conhecia
- Fui morar com meu namorado numa casa só nossa
- Tive cinco meses vivendo sem lar, pulando de casa em casa até resolver sair do país
- Vim morar na Nova Zelândia
- Fiquei numa fazenda cheia de vacas (é, aqueles animais que fazem "Muuuu!" - digo isto porque eu mal sabia) e pessoas que eu mal conhecia
- Voltei a falar com uma amiga de infância. E fui morar com ela (e com meu namorado, e com o pai dela) numa casa numa vila
- Comecei a trabalhar

E agora, um mês desde a última mudança, começo a sentir novamente essa vontade absurda de mudar. Mas o quê?

...

Bom, só sei que vou-me embora da Lan House antes que gaste todo meu salário e mude este blog para o blogspot.
O que não é uma idéia descartada.

por uma cigana, aí...

P.S.: Só agora vi que o template fica horrível em monitores quadrados...

P.S. ²: A filha da puta da alemã que tá usando o PC que eu precisava usar não sai nem por decreto!

P.S.³: E eu tô morrendo de fome.

[Disritmia]

Postado originalmente em 15 de agosto de 2008


Quisera eu ser capaz de traduzir em um conto ponto por ponto da história que me vem à mente.
É um homem. Não importa nome, idade ou tempo. Sei apenas que é casado. Casado é apenas por ser. Porque não há coisa mais imposta pela sociedade do que o casamento.
E há uma mulher. Não a casada com o já dito homem. Outra mulher, uma daquelas que nos vêm à mente quando pensamos em “mulher” no sentido completo. É bela, elegante, inteligente, independente. Veste-se de vermelho, impõe-se e – por que não? – fuma.
É esta mulher o completo oposto da casada. Boa dona-de-casa, mãe e esposa são as últimas coisas que ela sonha em ser. E, por isto, é julgada.
Há ainda a dona-de-casa, embora pareça que pouco tenha-se a dizer dela. Não que seja menos do que a outra mulher desta história, apenas não possuiu a ousadia da primeira. Pode ser tão ou até mais inteligente do que a mulher que fuma, mas jamais se permitiu mostrar ou escolher. E por isto não pode ser julgada.
E eis que o já previsto acontece. O homem fica de joelhos pela mulher que fuma.
Que seja bem dito, não se trata esta de nenhuma destruidora de casamentos ou algo do tipo. Ela o atrai naturalmente, sem ter a intenção. E por ele também se atrai. E se envolvem, e se apaixonam, e se amam. Nada poderia ser mais natural.
Há apenas uma cena que me vem à cabeça, e talvez a este ponto seja necessário dizer que o citado homem é um famoso compositor que há tempos passava pela mais terrível crise criativa de sua vida.
A mulher que fuma o inebria. O hipnotiza, o maravilha. Ela é a mulher definitiva, a mulher ideal de seus sonhos de poeta. Mas há ainda a mulher casada, aquela a quem ele recorre após uma noite entregue ao spleen, à bebedeira, aos desvarios. É a mulher casada que vem a ele com uma banheira de água morna em que ele pode curar sua ressaca. É ela a mãe de seu ou seus filhos.
A mulher que fuma não o cobra. Sabe que é por ele amada, sabe de seus problemas e suas necessidades. Compreende como ninguém a mulher casada e não a julga por assim ser. Há sempre um preço a pagar, e às vezes este preço pode ser caro demais.
Mas como já foi dito, pode bem ser que a mulher casada seja ainda mais inteligente do que a mulher que fuma. E nada passa batido aos olhos de uma mulher que cura a ressaca de seu marido. Ela sabe da mulher que fuma, e chora quieta à noite enquanto espera que o marido retorne.
São dois homens. Há o pai-marido, sisudo, semblante sério, sempre ocupado em seus papéis, escrevendo na solidão de seu escritório. E há o homem-apaixonado, o homem que ama, que ri, que chora e que à mulher que fuma mostra seus escritos e nunca descarta sua opinião.
Agora sim, a cena que me vem à cabeça. Uma pequena apresentação deste famoso e isolado compositor, uma audiência para que ele mostre seus finalmente novos trabalhos. É com este dinheiro que ele sustenta mulher e filhos.
E há na platéia as duas mulheres. A esposa-mãe, quieta e triste em seu silêncio. A mulher que fuma, discreta em sua presença, sentada ao fundo embora que ainda com um belo vestido vermelho.
E o homem então se apresenta. Uma única canção. Triste, apaixonada, dolorosa. Há em seus versos a presença intrínseca e indisfarçável das duas mulheres ali presentes.
Então, pela primeira vez, os dois pares de olhos femininos, úmidos e melancólicos, se encontram. Assim permanecem por minutos que parecem horas. As duas então piscam lentamente, cumprimentam-se com um aceno de cabeças e separam o olhar com dois discretos sorrisos nas faces.

[Mais uma sobre a loucura]

Postado originalmente em 8 de agosto de 2008

Existem momentos na vida em que a loucura tem muito mais sentido em ser do que a mais pura lucidez.
Fiquei tão lúcida que me perdi em meus pensamentos.
Ah, que falta me faz enlouquecer...
Gosto de enlouquecer por alguns momentos. Parar e me perder em mim mesma.
E no mundo.
Antigamente, há não muitos anos, eu era possuidora de uma incrível capacidade de enlouquecer pelo tempo que bem entendesse. E me perdia em pensamentos sem sentido, por mais sentido que eles pudessem fazer. E me punha a apreciar a beleza das coisas - há algo mais insano do que perceber a beleza que uma única palavra pode ter?
Sim, sim, as palavras... Sempre foram elas as culpadas. As palavras que me apaixonavam, as paixões que me enlouqueciam, as loucuras que me perdiam.
Será que tudo pode ser mesmo assim escrito conjugado no pretérito imperfeito? Talvez melhor fosse usar o futuro do pretérito. "Apaixonaria"... "Enlouqueceria"...
Já é clara a minha paixão pelas palavras. O quanto elas me atraem, me hipnotizam, me excitam.
E talvez, às vezes - mas só às vezes -, eu enlouqueça sem ter a consciência de haver enlouquecido.
Será mesmo que um louco sabe o quão louco é?

por Tatiana 

[Um céu de Monet]

Postado originalmente em 29 de junho de 2008


Estava particularmente triste naquela manhã. Não sabia o motivo e não conseguiria responder se lhe fosse perguntado. Acordara triste, com a impressão de que o dia ainda não começara.
Vestiu-se mecanicamente, como se suas mãos soubessem sozinhas o caminho de cada peça de roupa e ela não precisasse guiá-las. Andou de meias pela casa procurando algo que não sabia o que era.
A verdade é que aquela manhã estava diferente. Ela olhava ao redor tentando identificar o motivo, qualquer que fosse. Procurou por algo fora de seu lugar, mas tudo o que pôde ver foi a casa em perfeita ordem. Todas as almofadas sobre o sofá, o controle remoto da televisão colocado corretamente sobre a mesinha de centro, o tapete sem pontas viradas. Na cozinha alguém lavara e guardara toda a louça em seu devido lugar. Enfim, nada parecia fora do que deveria.
Acendeu as luzes do corredor. Era uma manhã escura, como todas as outras de inverno. O sol demorava a nascer, mas seu relógio biológico impedia que ela acordasse mais tarde. Olhou pela janela e muito pouco pôde ver além da camada branca sobre a grama. Nevara durante a noite. Bom, ao menos isso explicava ela ter acordado de madrugada para ligar o aquecedor.
Mas ainda não sabia o motivo de sua tristeza. Olhou para as casas vizinhas, e elas permaneciam no mais absoluto silêncio.
Resolveu sair.
Vestiu suas luvas, escolheu o primeiro cachecol que pôde alcançar, pôs seu casaco e enfiou de qualquer maneira suas botas de andar na neve. Duvidava que houvesse algum comércio aberto, mas pegou algumas notas a fim de comprar pão, caso encontrasse. Fechou a porta da frente e deu uma respirada funda antes de sair andando.
A manhã fria e escura aprofundou a tristeza que ela sentia, beirando à melancolia. Não havia uma única pessoa na rua. As luzes dos postes, acesas, iluminavam pobremente o que o céu escuro recusava-se a iluminar. Ela olhou ao redor, além das casas. Ao longe não havia horizonte, o negro do céu engolia o chão branco em algum ponto que ela não era capaz de definir.
Estacou os passos. Chegara a um pequeno parque destinado às crianças que saíssem da escola em frente. Nenhum poste era capaz de iluminá-la ali.
Sentou-se num balanço, procurando ao redor algo que pudesse ver. Mergulhou de olhos fechados em pensamentos sem importância por vários e vários minutos.
Voltou à consciência quando sentiu a claridade invadir suas pálpebras cerradas. Abriu os olhos devagar, evitando ser ofuscada. E num minuto sua melancolia deu lugar ao embevecimento.
O sol começava a lutar para nascer. Ela podia sentir as contrações do céu, enquanto a curva das montanhas começava a se abrir. A manhã ofegava, as nuvens de branco tentavam a todo custo ajudar naquele parto. O sol começou a aparecer silenciosamente. Lentamente, foi-se espalhando o vermelho-sangue sobre o lençol azul-celeste. Sobras de placenta amarela davam o ar de sua graça na mistura de fluidos coloridos que se formava. As nuvens vestiam-se de todas as cores que poderiam querer, preparando-se para as boas-vindas ao recém-nascido. O sol, por sua vez, saía de seu invólucro escuro atrás das montanhas. Era já quase parte deste mundo. As nuvens começaram a dançar, contorcendo-se em formas quase lúdicas para então se estenderem em mil formas, alinhadas e coloridas como se houvessem sido colocadas ali por algum pincel na gigante tela. Era enfim nascido o sol.
Ela permaneceu mais alguns minutos sentada naquele balanço, ouvindo a cidade acordar para receber o sol. Então se levantou suavemente, como se tomasse todas as precauções para não estragar aquele quadro.
Caminhou para casa com um sorriso nos lábios. Agora, sim, tudo estava em seu lugar. 

[Uma Breve Discussão]

Postado originalmente em 16 de junho de 2008


- Chega. Não há motivos para querer a resposta.
- Além de acabar com esta dúvida, não é?
- Mas você se tortura com esta dúvida. Desista, esqueça. Não há nada para saber, não sabe?
- Se soubesse não haveria dúvida.
- Mas ontem você disse que acreditava.
- Mas hoje já não estou tão certa assim.
- Por quê?
- Porque "estamos todos errados". Eu sei porque estou errada. E ele?
- Ele o quê?
- Qual seu erro? É a mentira?
- Não vê que ele faz isso só para provocar? Só quer deixar você exatamente como você está.
- Então parabéns, ele conseguiu.
- Algumas vezes você me deprime, sabe? Essa sua mania de sempre achar que tem algo errado.
- Eu não "acho". Ele disse.
- Para provocar, oras!
- Tem certeza?
- ...
- Vê? Nem você tem certeza.
- Mas não me torturo com a dúvida.
- ...
- Pare com isso. Não há futuro, apenas mais e mais dúvidas, mais e mais sensações terríveis. Você quer voltar a ser como era antes?
- Não. Aquilo foi horrível. E isso também é. Mas aquilo passou porque não restaram dúvidas.
- Ou porque você não se torturou com elas.
- Ah, chega! Não agüento mais você falando na minha cabeça! Deixe eu ficar com a minha dúvida em paz!
- Você jamais ficará em paz com esta dúvida.
- Por isso preciso saber.
- Não. Por isso você quer saber. Você não precisa saber e sabe disso.
- Então você. Você me diz agora: por nenhum momento a dúvida passa pela sua cabeça?
- Claro que passa. Mas eu não me deixo dominar por isso.
- E se tudo for mentira? E se tudo em que você acredita não passar de pura e deslavada mentira?
- Você sabe tão bem quanto eu que não é mentira.
- Será que sei?
- Vê? Você mesma cria minhocas para colocar na sua cabeça! Esqueça. Pare de pensar na dúvida. Agarre-se ao que você tem certeza.
- Nem sei mais se tenho alguma certeza.
- Agora é você que me irrita, sua emo depressiva do caramba... Não agüento mais ser seu muro de lamentações. Às vezes você consegue ultrapassar o limite da chatisse.
- Então me deixe sozinha!
- Você sabe que eu sempre estarei por aqui.
- Você precisa ser sempre tão racional?
- Só quando você resolve ser tão passional.
- ...
- ...

por mim e mim mesma

[Coisas (não-tão) simples da vida]

Postado originalmente em 7 de junho de 2008

Porque são pequenas coisas que me fazem feliz. Pequeninos flocos de neve, por exemplo.

Diretamente do outro lado do mundo. E não digo isto no sentido figurado, como quem diz "Oh, cruzarei sete mares em busca de meu amor!".
Não. Estou mesmo do outro lado do mundo, muito embora isto seja absolutamente relativo pois eu não estou do outro lado do mundo em relação a mim mesma, estou?
Mas, sim, em relação a você, caro e assíduo leitor, eu estou do outro lado do mundo. A não ser, é claro, que por uma incrível e adorável peça do destino, você esteja perdido pela terra dos Kiwis.
Ah, os Kiwis... Os adoráveis Kiwis... Tão singelos e meigos em suas casinhas de madeira, com carpete no chão e vasos de flores na porta...
Sim, está óbvio que me refiro aos Kiwis humanos, e não aos animais e menos ainda às frutas.
Certo, certo... Volte para a Terra, Tatiana... Você está perdendo comunicação com a Central.
Está bem, está bem... partamos então do princípio de tudo (e não me refiro aqui à célebre questão sobre o princípio da Vida, o Universo e Tudo Mais).
...
Está claro que precisarei de alguns minutos para colocar os pensamentos em ordem, não?
Certo. Contem comigo.

Um...

Dois...

Três...

...

Welcome to New Zealand!

Em outras palavras, estou escrevendo diretamente da Nova Zelândia. Mais precisamente, de um notebook sobre uma cama colocada numa sala por causa da presença indesejável de aranhas no quarto, numa casa em uma fazenda próxima a Rakaia, a cerca de uma hora de Christchurch, a maior cidade da ilha sul da Nova Zelândia.
Sim, eu realmente estou na Nova Zelândia.
Não, ainda não vi Legolas e Aragorns andando por aí. Mas não perdi as esperanças.

Mas... Hã? Como assim, o que estou fazendo na Nova Zelândia??? Por que não avisei, não mandei sinal de fumaça nem deixei a menor palavra por aqui mencionado tal fato?
Oras...
Não sei. Por que tudo precisa ter uma explicação?

Fato é: estou aqui, do outro lado do mundo em relação a você, vendo neve e montanhas do quintal da minha casa.
Legal, né?

É.

Mas, sabem?
Não tenho muito mais para comentar.
Pelo menos não agora.
Já repeti tantas vezes e para tantas pessoas as mesmas informações que simplesmente não tenho mais o que dizer por aqui.
Portanto, só.

por Tatiana

[Memórias de Calvário]

Postado originalmente em 21 de maio de 2008


Era uma vez uma doce e meiga garotinha loirinha, magricela e dentuça. Ela tinha sete anos quando uma amiga foi brincar em sua casa e elas decidiram brincar de pular na cama. A menina da nossa história, caros leitores, estava com receio de pular, mas sua amiga a obrigou. Resultado: ela bateu com a cara na janela e estourou a boca.
E assim começou sua longa e dura jornada de visitas ao dentista.
Aos oito ela começou a usar aparelho móvel. Aos dez, o fixo. cinco anos depois, e sete após o início de nossa jornada, nossa menininha finalmente retirou os ferros dos dentes. Eles estavam retinhos, perfeitos, cada qual em seu devido lugar. Mas o dentista da nossa menininha, caros leitores, não colocou nenhum tipo de ferrinho para impedir que os dentes voltassem a ficar tortos. Ele apenas a alertou que deveria realizar uma cirurgia para extrair os sisos, que ainda nem haviam nascido.
Não é preciso dizer que nossa menininha recusou.
Antes que comece qualquer tipo de julgamento quanto à decisão da nossa menininha, talvez seja necessário acrescentar que ela, durante a longa jornada de sete anos de idas e vindas mensais no consultório odontológico, havia sido submetida à extração de praticamente todos seus dentes-de-leite e dois dos permanentes. Após tantos procedimentos, alguns podem julgar que ela deveria estar habituada, mas fato é que a cada extração nossa menininha se sentia mais e mais traumatizada. Ela odiava dentistas desde a mais remota memória que conseguia extrair de sua cabecinha, quando, na tenra idade de três ou quatro anos, sua mãe a levava ao dentista para aplicações de flúor.
Foram estes os motivos que a levaram, então, a recusar abortar os sisos quando assim lhe foi sugerido. Ela ainda tinha a vã esperança de que haveria espaço em sua arcada dentária para tais dentes. Tola e pueril menininha.
Eis que, passados enfim quase quatro anos, nossa menininha viu seus dentes outrora tão bem consertados pelo uso de aparelhos se deformarem, encavalarem e entortarem até chegar ao extremo que ela jamais imaginara.
Foi uma olhada no espelho que a fez decidir: sim, agora extrairia os sisos. Deixaria os traumas, medos e revoltas para trás e, estoicamente, andaria passo a passo rumo à cadeira de dentista para, de uma vez por todas, livrar-se deste mal.
E foi de cabeça erguida que ela entrou no consultório.

pela menininha da história

[Não saberia dizer, e a verdade era que muito pouco importava.]

Postado originalmente em 12 de maio de 2008


Não era pessoa de se contentar em ser “uma”. Ou era “a”, ou não era. Não havia meio-termo.
Verdade é que sabia ser, no fundo, apenas mais uma, assim como todos os outros. Querendo ou não, era o que era e o que todos eram era apenas mais uma pessoa no mundo. Um pontinho escuro no meio da noite. Um gato pardo a mais num terreno baldio. Uma poesia a mais no mundo.
Há os que pensam ser as poesias únicas. Há quem diga que cada poesia é “a” e jamais “uma”. O que é esta senão a mais completa enganação?
Sim, para mim há “aquela” poesia. Mas e das poesias das quais nunca ouvi falar, das quais nunca ouvi um verso, o que são feitas delas? São mais “uma”. Apenas mais “uma”. Assim como “aquela”, que sempre será mais “uma”.
“Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”
“O poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”
“O amor é fogo que arde sem se ver”
“Ah, o amor... Que nasce não sei de onde, vem não sei como e dói não sei por quê”

Todas apenas mais “uma”.
E qual a importância deste texto?
Nenhuma... É apenas mais “um”.

por só mais alguém

[Triim-triim!]

Postado originalmente em 24 de abril de 2008


- Alô?
- Sim, pois não?
- Pois não o quê?
- Pois não, pois não? Não pôs?
- Quer falar com quem?
- Com quem? Não, não com o Ken... A Barbie não está?
- Engraçadinho... Eu vou desligar!
- É bom mesmo desligar o fogão... A panela tá queimando...
- !
- ...
- ...
- Já voltou?
- Como você sabia que a panela estava queimando?
- Todas as panelas queimam. Elas são feitas para isso.
- Isso não diz a você que eu estava com uma panela no fogo.
- É que eu sou o Senhor do Fogo!!!
- ...
- Queimou o jantar?
- Não, desliguei a tempo.
- Bom mesmo, comida queimada é horrível.
- Quem tá falando, hem?
- Você viu o capítulo de hoje da novela?
- ...
- A Maria se declarou para o José. Até que enfim, eu já tava cansando de esperar...
- Ah é? Nossa, não deu pra eu ver hoje... Fui à missa.
- Ah, você vai à missa? Que bom... É sempre bom seguir uma religião, né?
- Missa de sétimo dia do cunhado da minha prima.
- Ah...
- Quem tá falando?
- Missas de sétimo dia são tristes. Eu nunca vou. Mandou flores para a família e digo que precisei trabalhar até tarde.
- Eu ia fazer isso, mas minha tia veio me buscar pessoalmente.
- Então você não vai às missas normalmente?
- Costumava ir quando era mais nova... Mas depois de um tempo deixei de ver o sentido nisso tudo.
- Por quê? Aconteceu alguma coisa?
- Não... E estranho é que as pessoas sempre pensam que precisa ter acontecido alguma coisa para você deixar de ver sentido na religião.
- É o que geralmente acontece...
- Mas não, não... Eu simplesmente deixei de acreditar. Olhei para o Cristo de madeira pendurado no altar e me dei conta de que ele não me dizia nada. Era apenas um Cristo de madeira. Sabe quando você repete muito uma palavra e ela deixa de fazer sentido? Então... A sensação foi parecida...
- ...
- Você segue alguma religião?
- Não acredito em Cristos de madeira.
- É... Nem eu. Não sinto necessidade de acreditar. É como se...
- ... não fizesse diferença.
- É. Isso mesmo. Que diferença faz eu acreditar ou não? Duvido muito que haja um Deus que nos criou para adorá-lo. Seria teocentrismo demais da parte dele.
- Eu já vi Deus.
- ...
- E quarenta mil anjos ao seu redor.
- Num sonho, né?
- Não... Foi mais como uma visão.
- E como foi?
- Foi... Mágico.
- Como você viu? Como ele estava?
- Não sei dizer. Apenas estava. Difícil entender, né?
- Deve ser. E ele disse alguma coisa?
- Disse... Mas não foi exatamente como dizer. Foi de uma forma estranha, como se as palavras Dele fossem postas na minha cabeça.
- E o que ele disse?
- Tudo ficou muito claro, muito claro. E, com aquela voz silenciosa, Ele disse: "Deus não existe".
- ...
- ...
- Afinal, quem tá falando?
- Sou eu.
- Quem é você?
- Deus.
- ...
- ...
- Você não esperou que eu acreditasse nessa, né?
- Não, eu sabia que você não ia acreditar. Assim como sabia que a panela ia queimar.
- Tá bom... Com quem você quer falar?
- É da casa do Noé? Preciso avisar sobre um dilúvio...
- Não, não tem nenhum Noé aqui.
- Ah, então desculpa. Foi engano.
(Clanc!)

by someone

[A Voz - parte II]

Postado originalmente em 16 de abril de 2008


Albert acordou, mantendo os olhos fechados. Fez as três perguntas básicas de antes de se levantar:
Quem sou eu?
Ah, sim. Sou Albert.
Com o que estava sonhando?
Sonhando, sonhando... Vejamos, não me lembro muito bem... Era algo estranho, só sei disso. Acho que eu estava com medo.
Onde eu estou?
Ora, estou em casa, pergunta mais besta!
Sentou-se na cama e abriu os olhos. Piscou duas vezes para ter certeza do que estava vendo. Não se convenceu. Esfregou os olhos, deu uma risadinha ("Vamos, Albert, já é hora de acordar...") e voltou a abri-los. O sorriso se desmontou em forma de "O" enquanto ele tentava entender o que via.
Era uma luz. Ou não era? Era claro, muito claro. Parecia sim uma luz. Levantou-se da cama e caminhou até a figura. Deu uma volta ao redor daquela luz que não era luz e brilhava suspensa do chão bem no meio de seu quarto.
Seu quarto? Não, não. Albert sufocou um grito ao ver as paredes se encolherem sobre ele. Aquele não era seu quarto, definitivamente. Mas acabara de se levantar de sua própria cama, disso tinha certeza. A cama estava lá, logo atrás dele. Virou-se só para ter certeza.
Sim, a cama estava lá. E era a cama dele. Verdade que não se lembrava de haver pendurado aqueles pompons cor-de-rosa na cabeceira, mas era sim a sua cama.
Ah, mas era a luz! Era aquela luz que não era luz que ele estava olhando. Precisava descobrir o que era, afinal. Voltou-se para o local de onde a luz se sustentava.
Tentando ignorar as paredes que se moviam como se tivessem vida, Albert se aproximou, observando atentamente. Tinha a nítida impressão de que aquela luz estava – por mais loucura que isto parecesse –olhando diretamente para ele.
Circundou novamente a luz, sentindo os olhos que não via seguirem-no. Pulou na cadeira e voltou para o chão, só para se certificar de que os olhos o seguiriam. E o fizeram.
"Certo, certo... Albert, já chega de sonhar..."
Deu-se um forte beliscão que doeu muito, como que para dizer-lhe que não estava sonhando.
Voltou à luz, absurdamente curioso. Estendeu os braços e tocou-a.
Foi como se fosse engolido por aquela luz. Na verdade, sugado. Como se aquela luz o sugasse para dentro de si, de um lugar cheio de luz que não era luz.
Ele rodopiou e rodopiou várias e várias vezes antes de ir de cara no chão. Sentiu as folhas secas bem diante de seu nariz. Já havia estado naquele lugar, conhecia aquelas folhas.
Levantou-se. Viu a luz bem diante de si. Já não era mais como um luz que nunca fora. Agora tinha formas. E olhos.
Albert sentiu-se perdido. Não sabia se deveria sentir medo ou não. Algo dentro dele, algo que não podia explicar e não se lembrava de onde vinha, dizia-lhe que já tivera medo daquilo. Mas a verdade é que já não tinha medo algum.
Olhou para as árvores e folhas ao redor e lembrou-se de tudo e seus olhos se arregalaram quase ao mesmo tempo em que pôde ouvir a luz que não era luz cantando lentamente:
“Se eu roubei... se eu roubei... teu coração...”

Continua... 

[Mais um Sonho... E que Sonho!]

Postado originalmente em 11 de abril de 2008


Algum lugar parecido com a frente da igreja de Águas. Eu e Karol sentadas no chão, olhando algo na frente. Olhamos para trás, Johnny Depp está sentado atrás de nós, encostado numa árvore. Nós olhamos discretamente para ele, sem coragem de puxar assunto. Começamos a falar sobre ele no maior volume, e ele fica nos observando.
De repente surge um menino de uns 6 anos, de cabelos muito pretos na altura dos ombros, sentado entre nós duas e ele, sobre uma poça d'água (que pertencia ao menino).
Johnny se interessa pelo menino. Ele fica olhando fixamente para o menino por um bom tempo. Eu me viro para o menino e falo com ele. Pergunto se está tudo bem, se ele precisa de alguma coisa. Johnny sorri (daquele modo maravilhoso!) e fala com o menino em francês. Eu olho para Johnny, sorrio e digo baixinho:
- I don't think he can speak French.
Ele se aproxima de nós duas.
- Sorry, what did you said?
Eu tomo coragem, respiro fundo e repito de forma que ele possa ouvir. Ele ri, olha para o menino. Ele me pergunta algo, e nesse momento meu coração começa a disparar tão forte que eu tenho medo de que ele consiga ouvi-lo. Karol também conversa com ele, sempre em inglês. O menino de cabelos pretos desapareceu, como que pulverizado no ar.
Johnny senta-se ao nosso lado enquanto conversamos. Eu aproveito para dizer o quanto eu sou apaixonada por ele, o quanto eu adoro seus filmes. Ele fica sem graça, dá um sorriso tímido e diz:
- Yeah... “The number one!”...
Eu rio e digo:
- You know, I've seen many of your films. I know that there are many great, enormous, HUGE actors, but you are my preferred one 'cause you are... wierd! And I love it!
Ele ri baixinho e continuamos a conversar (eu, ele e Karol). Estamos conversando um assunto filosófico de alta importância de que eu não lembro nem mesmo uma parte agora...
De repente ele levanta, querendo ilustrar o que estava falando. Pega um vaso de girassóis e os levanta dramaticamente do chão, dizendo algo em francês que a Karol entende mas eu não. Ele pega o vaso, tira do chão e coloca numa mesinha. Quando termina, ele olha para nós duas e percebe que eu não entendi. Ele então repete os movimentos e fala em português algo como:
- Não importa quão bela seja uma flor quando plantada. Se a arrancamos, ela murcha e morre. Por outro lado, se lá a deixarmos, ela vai murchar e morrer sozinha.
(Talvez um dia eu entenda o valor filosófico disso. E mande para o Johnny Depp, afinal o autor foi ele.)
Ele volta a se sentar com a gente. Conversamos mais um tempo, sobre família e coisas do tipo. Eu peço para tirar uma foto com ele, para poder guardar. Ele faz uma cara de decepcionado, mas diz que vai continuar mais tempo no Brasil e que quer nos ver de novo em uma semana, no mesmo lugar.
E eu acordo.

Em uma semana, no mesmo lugar? Certo, certo... Estarei lá!

(Se acordada ando sem inspiração, não posso dizer o mesmo quando estou dormindo...)

acabou de ser sonhado por Tatiana Leutwiler

[Momento "Crise de Saco Cheio"]

Postado originalmente em 25 de março de 2008




Como diriam alguns (eu incluída nisto): "Grilei". Não, não estou cheia de grilos ao meu redor. Mas fiquei "grilada" e cansei. Cansei "de tanta babaquice, tanta caretica, desta eterna falta do que falar".
Tendo uma "quase, mas não totalmente, completamente diferente de" uma crise adolescente de "o mundo é um porre", estou num daqueles momentos em que, sim, o mundo vira um porre. Um daqueles momentos em que você olha ao redor e vê a tão aclamada "grandeza" das pessoas como mais uma prova da mesquinhez ordinária do mundo. E o pior: tem plena consciência de que a sua "grandeza" é igual à deles.
E isso leva você a "entrar em parafuso", a duvidar de si mesmo e de suas convicções. "Será mesmo que eu estou tão certa assim?". "Será que eu sou assim tão 'grande' mesmo, ou só penso que sou?".
E você sabe, lá no fundo sabe, que não é tão "grande" quanto pensa. Você sabe, lá no fundo sabe, que você é só mais um a pensar ser "grande". Só mais um no mercado dos hipócritas.


"Bem vindos, bem vindos
ao Mercado dos Hipócritas!
"


E o que causou esta mudança? Esta repentina e odiada percepção de que "Tudo é Tudo, e Nada é Nada", e que você certamente não é Tudo? O que foi a força causadora de tal percepção?
Algo tão pequeno, um momento de raiva, uma palavra mal-direcionada, uma intenção inocente mal-recebida, um "cego mascando chiclete".
E no momento de Crise de Saco Cheio, não importa. Nada realmente importa.
Aí vem aquela vontade louca de jogar tudo para o alto - ou no chão - e destruir tudo o que foi construído (já que você chegou à conclusão de que tudo o que foi construído não passa de uma grande hipocrisia sua).
Mas você sabe que estou momento vai passar. Sempre passa. Por isso é chamado de "momento". E ainda bem que passa. Ninguém poderia viver lucidamente sabendo toda a verdade. Ilusões são necessárias. Hipocrisia é necessária.

Ainda assim, resolvi Testar a Não-Existência Construtiva. Pelo tempo necessário - quanto será? -, eu deixo de existir. Só para ver o que acontece. Para ver se alguém repara - com certeza alguém reparará - que estou "na contra-mão, atrapalhando o tráfego".

Amém. 

[A Voz]

Postado originalmente em 17 de março de 2008


Se esta rua, se esta rua fosse minha...
Era um bosque, um bosque longo e escuro. Albert caminhava por ele, temendo algo que não sabia bem o que era. Arrepios gelados percorriam sua espinha de alto a baixo. Ele olhava ao redor, procurando o que não sabia se queria encontrar. Ele ouvira claramente a canção. Será que realmente ouvira?
Eu mandava, eu mandava ladrilhar...
Agora tinha certeza. Sim, ouvira com os ouvidos que a terra haveria de comer. Outra onda de arrepios percorreu sua espinha. De onde vinha aquela voz? Era uma voz serena, macia.
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante...
Era uma voz infantil, podia assegurar. A dona daquela voz não passaria de seis anos, se os tivesse. Mas então, por que diabos mais uma onda de arrepios teimou em percorrer sua espinha ao ouvir a canção?
Para o meu, para o meu amor passar...
Albert parou de andar, tentando identificar a direção da voz. Procurou ignorar a nova e já familiar onda de arrepios que subiu até sua nuca. Olhou para os lados, em todas as direções, mas a voz parecia haver se calado.
Andou mais alguns passos na escuridão do bosque. As árvores e arbustos ao redor não passavam de vultos. O arrepio havia se alojado na nuca e de lá parecia não querer sair. Albert podia sentir suas orelhas arrepiadas, eretas, procurando qualquer ruído. Mas não havia ruído nenhum. Nem mesmo o som do vento, nem mesmo o cricrilar dos grilos. Nada.
E então não pôde mais conter o medo. Ajoelhou-se, acocorou-se, protegendo a cabeça com os braços, fechando os olhos o mais forte que podia. Tentou cantar, mas nenhuma música passou por sua cabeça. Tentou falar, mas não havia pensamentos para verbalizar. Sentia apenas medo.
E então.
Nesta rua, nesta rua tem um bosque...
A onda de arrepios fê-lo levantar num instante. Olhos abertos, procurou a origem da voz. Seu coração batia com tanta força que era capaz de sentir o sangue pulsando em suas têmporas. Tentou falar. Quem era?, ele perguntaria. Mas a voz não saiu. Tentou mais duas ou três vezes, mas o som não saía.
Que se chama, que se chama solidão...
Começou a correr. Não pensara nisto, apenas corria. Tropeçou em raízes, caiu algumas vezes, mas continuou correndo. Chegaria ao fim daquilo, sabia que chegaria. Precisava chegar.
Então caiu. Caiu e continuou caindo por alguns momentos antes de chegar ao chão.
Dentro dele, dentro dele mora um anjo...
Estava exausto. Jamais conseguiria sair dali. Deixou o rosto colado à terra e às folhas secas ao chão durante o silêncio. Podia ouvir agora seu coração bater. Manteve os olhos fechados.
Que roubou, que roubou meu coração...
Uma luz invadiu suas pálpebras fechadas. Teve medo de abri-las. Permaneceu imóvel, sentindo o arrepio correr sua espinha e atravessar seus órgãos.
E então não sentiu mais medo.

(continua...) 

[Sonhos Desvairados - parte I]

Domingo, 17 de fevereiro de 2008

Estava na casa dos meus pais. Eu, Karol e minha mãe olhando o noticiário na TV mostrando uma imagem de satélite da Terra. A Terra está dando choque. Vários raios cortam sua superfície, e a repórter fala: “Sim, este é o resultado final da exploração da Terra pelo homem. Agora a Terra está dando choque.”
Karol, eu e minha mãe no quintal dos fundos, olhando para o céu. Está de noite, meio nublado. Alguns raios cortam o céu.
Karol: “Sabe que ninguém sabe exatamente quando foi escrita a Yellow Submarine? Tem gente que diz que foi escrita por aliens...”
Nesse exato instante cai um boneco-robô vermelho do céu cantando Yellow Submarine.
Eu: “Olha a sua resposta!”
Começa então a cair vários bonecos-robô vermelhos cantando Yellow Submarine. Eu abro um guarda-chuva. Olho para o céu e vejo uma mini-nave cinza feita de Lego cruzar bem acima das nossas cabeças. Ela aterriza na casa do vizinho. Minha mãe senta no muro e eu e Karol subimos numa mesinha para poder ver.
Karol: “Nossa! Cara! Que emoção! Aliens! Sempre quis encontrar um!”
Eu: “Affe! Eu não quero ver! Diz que não tá acontecendo!” Olho para minha mãe “Mãe, eu tô sonhando?”
Mãe: “Não... Tá real demais pra ser sonho.”
A nave cinza feita de Lego abre e de dentro sai uma luz verde pela qual sai um robô azul com capacete de astronauta falando numa língua estranha. Ele projeta a luz verde sobre o muro, que se afasta da parede e ele passa para o meu quintal. Ele vai entrando na minha casa quando dá uma olhada para trás e de repente ele não é mais um robô azul com capacete de astronauta. Agora ele é uma grande cabeça de macaco com pernas vestindo duas orelhas como se fossem calças. Ele olha para mim e sorri.
Eu, morrendo de medo: “Estranho... Uma vez eu li que, se houvesse vida em outros planetas, elas seriam tão diferentes dos humanos que um ser humano jamais poderia se fantasiar de um. Esse aí bem poderia ser um humano fantasiado... Hum... Estranho... Mas também quem falou isso nunca tinha visto um alien. Hum... Tô achando que isso é sonho mesmo...”
E acordo.

insanamente sonhado por Tatiana



[O Jantar]

Postado originalmente em 3 de março de 2008


Decidiu que faria uma canja para o jantar. Era o mais prático. Seria rápido, mal se precisa mastigar para engolir.
Era uma sexta-feira. Mônica voltava do trabalho a passos rápidos pelo centro de São Paulo. Pegaria o metrô na Paulista e depois pagaria um táxi até sua casa. Detestava o rodízio de carros que a obrigava a usar o transporte público toda sexta-feira.
Sim, canja era um bom jantar para um feriado. Eram tantos pedacinhos de tantos ingredientes que mal se podia reconhecer cada um.
Ela estava cansada, como em todas as sextas-feiras. Ao menos viria o feriado prolongado até terça-feira para descansar. Iria ao cinema com Marcos. Havia tanto tempo que os dois não passavam algum tempo juntos que mal pareciam morar sob o mesmo teto. Trabalho, pós-graduação, horas-extras. Mônica agradecia aos céus ter encontrado um homem que não se incomodava em trabalhar meio período e cuidar da casa.
Ela insistira em cozinhar o jantar desta vez. Era um prato especial, podia ter certeza. Ele iria adorar.
Ela tirou os ingredientes, cortou-os em cubinhos. Pôs o arroz na água fervente. Seria uma canja inesquecível.
Em pé, espremida no vagão do metrô, Mônica pensava em Marcos. Sabia a sorte que tinha. Marcos era aquilo que ela podia chamar de “o homem da sua vida”. Ela o amava e era correspondida. Quantas mulheres encontravam um homem assim?
Ela refogou o frango com alho e cebola. Os legumes eram cozidos junto com o arroz. Pegou um copo para pôr mais água no arroz. Deixou o copo cair, se espatifando no chão.
Marcos não era como os outros homens. Ela esperava um táxi com um sorriso. Ela sabia que podia confiar nele. Era uma ligação como nunca antes imaginara possível ter.
Juntou os cacos num pano de prato. Enrolou o pano e o pôs em cima da pia. Apagou o fogo do frango, que quase queimara.
Entrou no táxi. Mais cinco minutos e estaria em casa.
Pôs o frango junto com o arroz e os legumes. Abriu a gaveta e retirou o rolo de macarrão.
Um problema no motor do táxi a dois quarteirões de sua casa. Iria a pé. Ao menos, não precisara pagar a corrida.
Encostou a porta da cozinha para abafar o barulho. Ele estava na sala, assistindo TV.
Da esquina podia ver o portão de sua casa. Pegou a chave ao mesmo tempo em que o portão abriu. Mônica sorriu por alguns instantes ao ver Marcos. Mas quem era aquela mulher que saiu enquanto ele segurava o portão?
Planejara aquela canja durante todo o final de semana. Ela sorria enquanto sentia o aroma bom vindo da panela. Pegou o pano de prato enrolado sobre a pia e bateu discretamente com o rolo de macarrão. O som dos cacos de vidro fez-se ouvir baixinho. Bateu novamente, e mais uma vez.
O sorriso de Mônica se apagou no mesmo instante em que ela estacou o passo. Fora um beijo discreto, mas fora um beijo. Sorrisinhos de Marcos e daquela mulher enquanto ela seguia rua abaixo. Ele fechou o portão.
Ela abriu o pano. Havia cacos tão pequenos que pareciam quase grãos de areia. Com uma expressão serena, ela despejou uma quantia dentro da canja. Nem a mais, nem a menos. Apenas o suficiente. Mexeu a sopa para misturar bem.
Ela não podia acreditar. Precisou de alguns minutos para deter a vontade de entrar correndo em casa e esfaqueá-lo até a morte. Não podia agir assim. Precisava ter calma. Muita calma. Ele não a vira.
Levou a canja para a mesa e serviu os dois pratos. Olhou para o sofá, para ele. Não havia dúvida em sua mente. Ela o amara demais.
Entrou em casa e o beijou normalmente. Ele não poderia desconfiar do que ela vira.
Caminhou até o sofá e deu-lhe um beijo.
- O jantar está na mesa.

por Tati 

[Viagem Teleguiada ao Centro de M.I.M.]

Postado originalmente em 22 de fevereiro de 2008


“Atenção, todos os passageiros. Em poucos instantes sairemos em uma incrível viagem que percorrerá os cantos mais obscuros do fundo de M.I.M.. Talvez não seja possível entender ou mesmo enxergar alguns destes cantos, sendo esta a razão de terem permanecido inalcançáveis por tanto tempo. Por favor, queiram apertar os cintos e sentir-se à vontade. Em caso de enjôo, saquinhos de vômito estão localizados embaixo de todas as poltronas. Respirem fundo e boa viagem!

Ao seu lado esquerdo podemos observar com certo interesse a primeira camada de máscaras usadas em M.I.M.. Há neste local máscaras de todos os tipos, para todos os eventos. Há um simpático sorriso estampado logo na mais superficial delas, que nos leva imediatamente às máscaras de alegria estonteante e piadinhas inúteis, utilizadas em M.I.M. nas mais diversas situações.
Logo após estas, nos deparamos com a grande máscara de óculos, com seu ar intelectual de pequeno gênio. Utilizadas em M.I.M. em situações desconfortáveis e de pressão elevada, esta máscara é uma das primeiras a serem mostradas.
Se puderem ter mais atenção, verão milhares de pequeninas e suaves máscaras, utilizadas em M.I.M. em situações cotidianas e mais confortáveis do que as situações anteriores.
Por fim ainda é possível enxergar a máscara original, aquela que só é vista quando todas as outras máscaras são tiradas e que só podemos enxergar aqui graças a um suborno pago pelo agenciador de nossa viagem. Infelizmente não nos foi informado como funciona esta máscara e nem em quais situações ela é utilizada.

Se puderem agora me conceder um minuto de sua atenção, poderão ver logo à nossa frente a grande gama de sentimentos de M.I.M.. Esta, senhores passageiros, é uma visão privilegiada concedida somente àqueles com autorização de nível Alfa Máxima em M.I.M.. Como podem ver, a grande mistura de cores e intensidades pode causar náuseas, por isso sugiro que aqueles cujos estômagos não agüentem emoções fortes leiam um gibi da Turma da Mônica enquanto passamos por esta área.
Há neste local sentimentos intensos e que se misturam para formar novos sentimentos, o que gera a superpopulação e desfavorece o controle das autoridades locais sobre estes sentimentos. A desigualdade social entre os sentimentos aqui residentes pode ser observada a olho nu, o que ocasiona freqüentes golpes de estado emocional. A marginalização dos sentimentos menos favorecidos é outro grave problema social que esta área de M.I.M. enfrenta desde os primórdios. As recentes denúncias de corrupção de sentimentos menores é mais um a entrar na lista de problemas cujas autoridades locais ainda não conseguiram combater com sucesso.

Nossa última parada é nas regiões mais quentes de M.I.M.. Pedimos aos pais que mantenham seus filhos ocupados, pois a visão destas regiões pode não ser recomendada para menores de idade.
O clima nesta região é de temperaturas extremamente altas durante todo o ano, com a ocorrência ocasional de chuvas esparsas. O relevo é bastante peculiar, alternando áreas montanhosas e longos vales. Por motivos de segurança, não poderemos adentrar em suas matas ou conhecer os animais típicos desta região. Podemos informar apenas que o que estão vendo é uma região que sofreu pouca exploração civilizatória e é atualmente protegido por leis internacionais de preservação da vida selvagem. Fotografias e filmagens são permitidas atrás da linha vermelha.

Encerrando por aqui nossa viagem, espero que todos tenham tido bons momentos e voltem em breve para novas excursões. Pedimos a todos que permaneçam sentados até a parada completa e encaminhem os saquinhos plásticos utilizados para a lixeira que se encontra na parte da frente da nave. Muito obrigada a todos e voltem sempre.

Este foi mais um serviço da Desvairio's Turismo e CIA. Servimos bem para servirmos sempre.”

por M.I.M.

[De 28 de fevereiro do ano corrente]

Postado originalmente em 20 de fevereiro de 2008


Estava sozinha. Finalmente sozinha. Após tanto tempo passado com tanta gente, tão falantes, tão presentes. E como falavam, pelos deuses! Tagarelavam tanto que quase a haviam deixado louca. Era tanta gente que fez surgir a já quase esquecida fobia social, aquela mesma que tantas vezes a fizera preferir ficar em casa assistindo televisão do que ir a uma festa cheia de gente.
Já não sabia mais o que era silêncio. Havia esquecido, ou ao menos pensava haver esquecido. Se houvesse realmente esquecido, não o ansiaria com tanta devoção. Era uma apaixonada pelo silêncio, sempre fora. Os sons do silêncio sempre a confortaram, a trouxeram à realidade.
E agora estava sozinha. Finalmente sozinha. E em silêncio, ah!, tão almejado silêncio!
Olhou a seu redor. Sim, sozinha. Nem uma alma viva no raio dos trinta metros quadrados de seu refúgio, a não ser por uma hamster que escalava alegremente as grades de sua gaiola. Em silêncio.
Ah, o silêncio... Agora sim os pensamentos poderiam fluir. Vamos, deixe que os pensamentos fluam! Mas... Que pensamentos?
Ah, a solidão... A tão desejada solidão que a faria voltar a pensar novamente... Mas... Pensar o quê?
Começou a andar em círculos pelo quarto, procurando ter algo sobre o que pensar. Poderia ler um livro – o que andava em muita falta ultimamente, aliás -, mas a verdade é que não conseguiria se concentrar sabendo de todos os pensamentos que poderiam fluir se ela não estivesse lendo.
Mas... Que pensamentos?
Pegou então caneta e papel, ansiando terrivelmente por escrever. A caneta riscou furiosamente o papel, criando traços que poderiam gerar as mais profundas poesias de todos os tempos. Mas tudo o que os traços geraram foram... traços.
Traços. Traças. Estava às traças. Havia algumas na parede, e elas se escondiam em seus cascos quando ela as tocava. Fugiam de qualquer contato com o mundo exterior. Queriam ficar sozinhas, em sua eterna solidão dentro de seus cascos. Era também o que ela queria. Não era?
Não era. Ainda era. Era?
Sim, havia Eras que não ficava sozinha. Este silêncio que agora a ensurdecia era algo que ela não ouvia havia Eras. E seria tão poético... Se não fosse tão... silencioso.
Ela, que havia não muito tempo – ou havia muito tempo, e ela fora pelo Tempo consumida e não notara o Tempo passar? - fora tão hábil em brincar com as palavras, em usá-las da forma que bem quisesse, não era capaz de escrever uma única linha que fizesse sentido.
O sentido. E o relógio sempre anda no sentido das horas. Qual é o sentido das horas? E minutos e segundos, será que têm sentido? O que será que as horas têm sentido?
As palavras haviam sido um dia – no mesmo dia em que o silêncio não a ensurdecia – tão garbosas e elegantes em suas mãos. Ela as despira e as desvirginara ali mesmo, no mesmo caderno que agora ostentava traços desordenados. Havia sido sua lua-de-mel secreta, na qual só ela e suas palavras existiam. Teria este dia existido?
Pensando sobre este dia – sem perceber, os pensamentos brotavam de sua cabeça despreocupadamente preocupada -, ela chegou a pensar – mais pensamentos! - que talvez ele nunca houvesse existido. E, querem saber? Chegou até mesmo a pensar que talvez ela mesma não existisse. Ora, como poderia ter certeza? “Penso, logo existo” não era o bastante para ela. Afinal, quem é que disse que ela pensava?
E o silêncio ensurdecedor agora a dominava totalmente. Pensou em ligar a televisão no volume mais alto, colocar a música mais barulhenta para tocar no rádio. Mas sabia que de nada adiantaria, pois o silêncio que a ensurdecia vinha de dentro dela. Ela. Ela era a culpada, sempre fora. E sabia disso, assumia de todas as formas, em cada gesto, em cada pensamento... Mas será que ela existia?
Não que o silêncio interior fosse o culpado por esta pergunta. Afinal, nunca tivera real certeza de que existia, e isto era uma dúvida que a atormentava. Como poderia saber que não era fruto de uma mente perturbada, e que todas as pessoas com quem ela tivera contato não eram apenas uma forma de tentar provar a si mesma que existia? Quem sabe? Quantas vezes já não tivera a sensação de não estar ali, quando seu corpo parecia estar? Quantas e quantas vezes já não tivera que forçar-se a prestar atenção ao que acontecia, mesmo sem ter certeza de que estava mesmo acontecendo?
Aquela sensação a acompanhava desde que podia se lembrar como gente. Se é que realmente era gente. Se é que realmente existia, quero dizer.
Era assim, sem saber nem querer nem pensar, que ela estava em frente ao computador. Não sabia o que dizia, mas parecia estar dizendo. Ao menos, tentava calar o silêncio em sua mente.
Com sucesso, devo assegurar.
E agora estava sozinha. Finalmente sozinha. Mas nunca antes tivera tanta vontade de ter pessoas ao redor.
Decidiu acender um cigarro e pedir uma pizza.

Por mim mesma, ora bolas! Quem mais haveria de ser?

[O Corpo de Deus ou Da Arte de Ser Cretina]

Postado originalmente em 14 de fereveiro de 2008


Deus me livre disto! Me benzo três vezes antes de sequer pensar no que pode acontecer (ou no que terá acontecido). Não, padre-em-cruz!, vá de retro, ave Maria! Mas fica com Deus, tá?
Pai-filho-espírito. Cruz e credo.
Agora sim; o que é que houve?

Dizem os crentes que Deus existe, criou os homens e tudo mais.
Dizem os céticos que o homem existe, criou Deus e tudo mais.
Ainda há os que dizem que Deus existiu, mas morreu de tédio.
Pudera... Também eu morreria de tédio, fosse minha vida passar sentado nas nuvens só a olhar o que se passa cá embaixo.
É...
Deus morreu de tédio. E o corpo dele está em algum lugar por aí. Lembro de alguém que viu o corpo de Deus. Um Deus-cadáver, boiando no espaço-tempo.
Isso mudou a minha vida?
Não... Acho que não.

Tenho para mim que este alguém que viu o corpo de Deus estava a alguns graus alcoólicos acima do meu. Juro, não bebi nada.
Sim, isto é o que eu escrevo sóbria. Mas sem metalinguagem desta vez, pelo amor de Deus!

Sei apenas o que não sei. Não sei nada sobre isso. Você sabe, por acaso? Se souber, não me diga. Há coisas na vida que não necessito saber.
E se acaso encontrar com Deus antes de mim, mande-Lhe um beijo e um abraço. Diga que mando flores assim que puder.

Aceita um café? Eu não gosto de café. Muito amargo, sabe? Prefiro chá-mate, aquele do leão. Adoro leões. E algo me diz que fugi do assunto mais uma vez.

Deus está rouco. Conseguem ouvir?
Também Ele está louco.
Adoro trocadilhos cretinos.
Não sou Isabel, mas sou cretina.

Se acha isso confuso, não queira ler minhas anotações pessoais. Isso aqui é só o que tenho coragem de mostrar ao mundo.
É, não tenho lá muita coragem.

E olha eu de novo fugindo do assunto. Fujo tanto que duvido que você se lembre qual era o assunto inicial. Eu não lembro.
Mas como disse Clarice Lispector, “Se não entendo o que escrevo, a culpa não é minha!”

Façamos um acordo: Como a escritora aqui, eu escrevo. Seja você um leitor bonzinho e interprete. Sem preguiça.
Ou acha que é fácil escrever tanto sem dizer nada e ainda assim prender a atenção do leitor? Ahá! Viu só? Você ainda está lendo.

Sem metalinguagem, por favor!

Certo, certo...
Blasfêmia ou não, alguém me mostra o corpo de Deus?

por Tatiana

[Há algo de podre. Há sempre algo de podre.]

Postado originalmente em 20 de janeiro de 2008


Sim, há um quê de podre em tudo. Não sei o que é tudo, mas seja o que for, haverá algo de podre. Realmente, não entendo o que escrevo e não me importo com isso.
Não há uma necessidade real em fazer o que se faz. Dizendo o que se diz (ou escrevendo, o que melhor se encaixar), apenas diz-se. Nada além.
Às vezes uma palavra é apenas uma palavra e nada além disso. Não há significados ocultos, ou, como diria Caeiro: "O sentido íntimo das cousas é elas não terem sentido íntimo algum".
Percebem?
Entendem?
Hãn?
Não sei. Já disse que não sei. E se soubesse não diria. Não quero influenciar ninguém.
Mas não, eu não sei.
Não sei porque não me importa.
"Não me importa! O que não me importa? Não sei... Não me importa."
Seja lá o que for que isso signifique.
Vixe!

por alguém... não importa quem.

[Marina Morena - parte III]

Roberto acordou na manhã seguinte com o sol batendo na cara. Levantou-se, pegou o retrato e, com um beijo, devolveu-o à gaveta.
Vestiu uma calça jeans e, ao abotoá-la, percebeu que ainda estava com a aliança no dedo. Suspirou e tentou tirá-la. A aliança não saiu.
Roberto repetiu a tentativa várias vezes, puxando a aliança com tanta força que quase provocava feridas em seu dedo. Entrou no banheiro, em desespero. Passou sabonete no dedo, na esperança de que a aliança saísse.
A campainha tocou. “Merda! Merda! Merda!”
Sem pensar, enrolou uma toalha na mão e foi atender à porta.
- Nossa, Beto! Que cara é essa? - Marina perguntou, ao se deparar com o olhar assutado de Roberto.
- Marina? Você, aqui, a essa hora?
- É... Eu sei que é cedo. Acordei você?
- Não, não... Eu não consegui dormir muito essa noite...
- É... Nem eu. Fiquei a noite toda preocupada, com medo de alguma coisa sair errada hoje à noite.
Ela entrou no apartamento, como já fizera tantas vezes.
- Cê... Cê num devia estar se arrumando para o casamento?
- Ainda são sete da manhã, o salão só abre às nove.
- Ah...
- Tava lá em casa, aí me deu vontade de vir te visitar. Sabe essas coisas que a gente não sabe explicar?
- Aham...
Marina estava sentada na cadeira em frente à mesa. Roberto tentava esconde a mão esquerda atrás do corpo.
- Que você tá escondendo aí? - Marina se levantou, indo em direção a ele.
- Ah, nada... Nada... - Roberto tentava desviar. Marina puxou seu braço, vendo a toalha enrolada na mão.
- Que aconteceu? Cê se cortou?
- Ahn... É... Foi... Um cortinho bobo...
- Deixa eu ver isso.
- Imagina, Marina... É um cortinho pequeno, nem sangrou muito...
- Sei... E eu não te conheço? Você é capaz de morrer de hemorragia antes de pedir ajuda pra alguém.
Com um golpe certeiro, Marina arrancou a toalha da mão de Roberto. Ele tentou escondê-la, puxando para fora do alcance de Marina.
- Ei! - Marina segurou seu braço – Desde quando cê tá de aliança? Casou e não me avisou, foi? - ela riu.
Roberto ficou calado. Ele apenas a olhava nos olhos, e tinha culpa no olhar.
O sorriso de Marina se fechou aos poucos. Ela olhou sobre a mesa, vendo a caixinha fechada.
- Que é isso? - ela pegou a caixinha, abriu-a e pegou a aliança que sobrara. - Paulo? Como assim, “Paulo”? Essa é a minha...? - ela apontou para a mão de Roberto. Ele permaneceu em silêncio. - O que que ela tá fazendo aqui?
- O Paulo... Foi o Paulo... Ele... pediu pra eu levar para a igreja...
- E o que que essa daí tá fazendo na sua mão?
Roberto não respondeu. Olhava fixo para a caixinha, como se dela fossem sair respostas que o ajudassem a escapar daquela situação.
- Por que você tá com a aliança do Paulo no dedo? - ela repetiu.
Ele continuou em silêncio.
- Roberto, fala! - ela começou a ficar impaciente.
- Eu... eu só quis ver... como ficava... em mim...
- Por quê? - ela inquiriu.
- Só quis ver... só ver...
- Roberto, por que você pôs a minha aliança?
- Eu... - ele levantou o olhar para ela.
Por alguns instantes houve um silêncio absoluto entre os dois.
- Beto... você...?
Os olhos de Roberto se encheram de lágrimas. Lentamente, ele balançou afirmativamente a cabeça.
Marina desviou o olhar, dando voltas no quarto.
- E porque você... nunca... nada...?
- Não dava... não podia... não posso...
Marina o encarou, também com lágrimas nos olhos.
- Desde quando?
- Eu... sempre... o Paulo...
- Por que nunca, Beto?
- Não podia, caramba! O Paulo é meu amigo!
- E antes, Beto?
- Não conseguia! Você é minha amiga!
Marina se afastou, olhando pela janela.
- Mas isso não muda nada... Nada, Marina...
- Como não muda nada, Beto?
- Hoje à noite você vai para a igreja, vai se casar com o Paulo e eu vou ficar feliz com isso porque você vai estar feliz e é isso que importa pra mim.
- Como eu posso me casar com o Paulo agora, Beto?
- Isso não faz a menor diferença. Nunca fez. Sempre foi assim...
- Mas antes eu não sabia! Você não tinha me contado! Se você tivesse...
- Ia mudar alguma coisa, Marina? Se eu tivesse contado antes, você teria terminado com o Paulo para ficar comigo? Você ia milagrosamente dizer que me amava e a gente ia se casar e ser felizes para sempre, por acaso?
- Eu não sei! Eu não sei! Você devia ter me contado, eu precisava saber... Eu queria saber... Eu...
- Pára, Marina! Cala a boca! Me ajuda a tirar essa porcaria de aliança do dedo senão você vai se atrasar!
- Era pra ser você, sabia?
Roberto a encarou.
- Como assim?
- Hoje... Lá na igreja... Essa aliança...
- Marina, pára! Cê tá falando bobagem! Me ajuda a tirar essa merda do meu dedo antes que...
- Era você antes do Paulo. Mas eu achei que você não... Que você nunca... Se você tivesse me contado...
- Pára! Pára! Eu não quero ouvir! Vai pra igreja! Vai, some daqui! Sai!
Marina o abraça.
- Pára! Me solta! Pára, Marina! Pára... Pára...
Os dois se beijam longamente. Ao final do beijo, eles se afastam sem se olhar. O silêncio dura por vários minutos.
- Você deve casar com ele. - Roberto diz, firme.
Ela permanece em silêncio.
- Você quer se casar com ele? - ele pergunta.
Finalmente, ela responde.
- Quero.
Os dois se olham, com sorrisos tristes.
- Então, me ajuda a tirar essa aliança. 

[Dia-a-dia-a-dia-a-dia...]

Postado originalmente em 11 de janeiro de 2008


E com a preguiça costumeira de todo dia tardiamente iniciado. Mas, digamos assim, muito bem aproveitado antes de sequer iniciar. Sono atrasado, saudades de casa. A minha (futura ex) caminha, tão gostosa e desarrumada. A casa desarrumada. Pois bem, preciso arrumar tudo isso, a bagunça começa a atacar minha perfeccionista lua em virgem (por mais que meu sol em leão fique ao fundo dizendo "Ah, pra quê? Você vai bagunçar tudo mesmo, depois.").
E comendo uma barra de chocolates, por falta de leite ou cereal matinal para meu café da manhã, me veio enfim o meu grilo falante dizer: "Precisa sair. Vá ao banco, compre leite e cereal matinal, arrume a casa." Grilos são chatos, mas este tem a razão. Na verdade, a maior força que me impulsiona a ir ao banco é saber que, caso contrário, há grandes chances de me cortarem a internet e a TV a cabo neste final de semana, o que seria realmente um desastre. Um final de semana inteiro sozinha em casa, sem assistir House ou entrar na internet.
Sim, admito, sou viciada em ambos. Por motivos diferentes, vez que a internet não me provoca fantasias (coisa que já não posso dizer do House, com aquela sua barba grisalha, seu cabelo desarrumado, seus olhos maravilhosos, aquele sarcasmo que apenas realça seu sex-appeal e aquelas mãos... aquelas mãos...). Ah, Gregory House...
Mas, voltemos ao assunto principal (que não era revelar meus desejos não-tão-secretos sobre o médico cinqüentão mais sexy da Universal Channel). Mas, afinal, qual era o assunto principal?
Digamos... Não me lembro. Não sei. Não creio que chegou mesmo a existir um assunto principal. Não deixem meu grilo falante escutar (ou ler, o que melhor se encaixar...), mas o único motivo para eu vir aqui hoje foi retardar minha ida ao banco (não me olhem com essa cara de desaprovação, por favor. Se vocês vissem o sol lá fora e soubessem o quão longe é o banco...). Ao menos, o banco fecha às 5 e ainda são 2 e meia.

Gostaria de saber se estes meus desvairios interessam a alguém mais além de a mim mesma. Prefiro imaginar que há no mundo mais vouyeres como eu, e que adoram saber o que se passa aqui dentro. Se não houver... Bom, eu adoro.
Já tomei minha dose de House por hoje. Se bem que uma dose a mais não faria mal.
"Ah, Gregory House... Vamos brincar de médico? "

por Eliza de Montecastro (sim, para fugir de qualquer acusação contra a minha pessoa) 

[Des-Continuidade Gratuita]

Postado originalmente em 11 de janeiro de 2008


É assim. Sou de lua, sou de Marte, sou de Vênus. Sim, de Vênus. Muito mais de Vênus. Ao menos nesta minha lua cheia, sou Vênus de corpo e alma. Até a lua minguar.
O que eu começar hoje continuo na próxima cheia. Ou não.
Não há uma lógica predefinidamente logarítmica (não que eu saiba o que são logaritmos) nas fases de luas interiores. Não há lógica de tipo algum em qualquer assunto interior. Por que haveria de haver (sim, um pseudopleonasmo-aliterado propositadamente fora de lógica)? As não-lógicas interiores são tão dissolutabsolutamente mais saborosas de se ler...
E há algum tipo de lógica qualquer que não aquela infligida aos terríveis e assustadores algarismos?

Não Importa!

Direi em voz alta: Tudo isso não importa!
Gritarei com a força de meu tísico pulmão,
Ainda que me custe todo o sopro do coração,
Pois não passo, viva, de matéria morta.

Ah, quanta vã hipocrisia!
Quanto valor ao sem importância!
Já que o homem, no alto de sua ganância,
Torna-se incapaz de apreciar a poesia.

Seduzido por uma serpente ofídica,
Impinge-se na pele mil beijos frígidos.
E engana-se se pensa, na loucura hipocondríaca,
Que a vida encontra-se em estúpidos números rígidos.


Sim, é minha. Sim, é antiga. Sim, é futilmente poética. Mas há quem diga que há algo de fútil em toda arte. Não que isso seja arte. E não que não seja.
Sem motivo nem lógica nem tampouco necessidade de explicação. Sem vígulas nem pausas ou momentos de pensar. Não há nada que possa fazer para impedir que tudo flua como as imagens que fluem em palavras soltas de sabores ao vento cantando "Venham, eu estou aqui!".
Não há lógica alguma em tudo isso, e talvez a ausência de lógica seja no fundo sua maior lógica.
Quanta filosofia barata...
Mas por que haveria eu de me conter quando o que mais quero é por-me a escrever as mais loucas e absurdamente transloucadas, tresloucadas e deslocadas palavras?
Há aquela vontade-quase-que-necessidade de escrever o que me vem, seja lá por onde venha, de onde venha nem por que venha. Não quero saber. Vocês querem?
Deleitem-se em minhas palavras como eu me deleito enquanto as escrevo. Se assim for, terei cumprido minha missão. Se não for, ao menos terei cumprido meu desejo.
Enquanto a lua interior começa a mudar, posso sentir Vênus ser tomada por Marte, numa dança erótica do macho-fêmea dentro de mim, explodindo e eclodindo e transgredindo qualquer forma de sexo assexual.
E assim sou agressiva, possessiva, indomável.
Há algo de fera em toda criatura.
Mas já me bastam os desvairios!

pela lua, Marte e Vênus