domingo, 17 de maio de 2009

[O Cavaleiro Negro]

Sempre que o sol fugia entre a neblina densa do negro véu da noite - cheia de espanto eu via - altivo, sereno - galopando em majestoso corcel o cavaleiro negro da noite de minha vida.
Silenciosa e trêmula eu me aproximava do rochedo - e a doce brisa das tardinhas agrestes me trazia o suave perfume das modestas violetas e dos jasmins.
Confusa - sem bem saber o que esperava - eu caminhava perplexa, como doida sonâmbula, pelos escuros rochedos, e esperava.
Era longa e tenebrosa a espera...
Quem esperava?
Nem eu sabia - uma força mais forte que tudo me obrigava a sair ao encontro daquele delicioso mistério.
E a noite - como fantasma - descia lenta com seu manto negro, envolvendo com seu silêncio sinistro os rios, os lagos, as montanhas e os rochedos...
Em meio àquele ambiente fantástico de incertezas e receios, surgia altivo, sereno, magnífico o cavaleiro negro; envolto em horrenda capa negra, ele passeava calcando sob seu porte seguro as míseras relvas do rochedo.
E ele galopa, sereno, tranqüilo - passa cabeça erguida - lutando seguramente contra o desconhecido mal da vida, que tanto me apavora - e pisa o cadáver das paixões que desconhece.
Todos os dias, às mesmas horas, eu me dirigia para lá, onde via o cavaleiro da noite galopar num bravio corcel as amarguras que a vida lhe escrevia...
Suas amplas vestes escuras se dobravam ao frio vento das noites - e ele temia que a negra máscara viesse a lhe descobrir o rosto onde talvez a ingrata existência lhe tivesse gravado profundas cicatrizes.
Mas um dia a minha dor superou aquele que eu imaginava no desconhecido e cheia de angústia. Me atirei à estrada para ser pisada como as insignificantes relvas.
Uma brisa encantada removeu a estranha vestimenta do cavaleiro - e eu paralisei-me.
Via sair de horrenda capa a figura suave, linda, bondosa e sensível.
E, diante tanta perfeição de traços - diante tanta beleza e harmonia - cheguei a pensar que sonhava.
Mas o altivo cavaleiro me afastou tristemente de seu caminho - odiando-me por ter descoberto seus mistérios - e sumiu na imensidão da noite.
Voltei ainda muitas noites ao mesmo rochedo; nada mais existe...
Esperei longos anos inutilmente - o cavaleiro não surgia.
Hoje olho o rochedo - cheia de espanto -, vejo em tudo inconfundíveis abismos. Sinto medo e apavorada fecho duramento os olhos e fujo das recordações.
O cavaleiro negro já não existe, mas ficou gravado para sempre em minha vida e aparece sempre nas noites de meu coração.
Na adolescência da vida surge tanta fantasia que se desfazem febrilmente no entardecer da vida - para serem sepultadas definitivamente no final.
Contudo a saudade e algumas semelhanças com altivos jovens - que não passam de apaixonados disfarçados - ficarão eternamente comigo.


Trecho não datado retirado das páginas do diário de minha avó, Maria Ignez Ribeiro.