segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

[A Janela da Torre do Castelo de Renorah]

Ah, o Reino de Renorah e suas Colossais Muralhas de Vidro...
Debruçada na janela de seu quarto na torre mais alta do castelo milimetricamente posicionado ao centro de Renorah, a Rainha Desvairada suspirou. Andava solitária desde a manhã em que seu conselheiro, o Gato de Sapatilhas de Balé, desaparecera porta afora e nunca mais voltara.
A Rainha Desvairada observava as casas construídas ao redor do castelo. Pareciam minúsculas àquela distância. Refletidas nas retinas de seus olhos extremamente azuis, as casas pareciam guardar segredos aos quais a Rainha jamais teria acesso. Não que ela não pudesse, num rompante de lucidez, mandar escreverem uma medida que obrigasse todos os seus milhares de súditos entregarem os segredos de suas casas logo abaixo dela, no saguão principal do castelo.
Mas ela simplesmente jamais o faria. Podia ser desvairada, absolutista, rainha elevada à condição divina, mas jamais seria maquiavélica. Isso iria contra seus princípios, se é que ainda os tinha.
A Rainha deu um leve sorriso ao lembrar de seu Gato de Sapatilhas de Balé, tão fiel conselheiro, a lhe dizer como numa visão: "E virá o dia, minha Rainha, em que teus princípios e certezas já não terão a menor importância diante de ti."
Sim. Podia ser, a Rainha sabia. Esforçando-se um pouco além, poderia quase ver a si mesma ordenando seus súditos em uma fila que percorreria toda a extensão das Colossais Muralhas de Vidro, obrigando-os a abrir a seu conhecimento todos os mais profundos segredos de suas casas.
Ajeitando seus longos cabelos dourados, a Rainha deixou estes pensamentos se esvaírem. Não havia motivos para pensar no futuro, ela sabia. Cantarolando uma canção infantil sobre ruas e pedrinhas coloridas, ela decidiu voltar suas preocupações ao sumiço de seu Gato de Sapatilhas de Balé. Por onde andaria aquele gato e seu violino? Faziam-lhe muita falta, tanto um quanto o outro. O gato para que pudesse falar, e o violino para que pudesse ouvir.
O primeiro tom de vermelho a cobrir a cidade denunciaram o início do pôr-do-sol atrás das Colossais Muralhas de Vidro. A Rainha pôs-se em pé solenemente, aumentando aos poucos o som de sua cantiga.
Quando o último tom de violeta despediu-se da janela em que a Rainha se encontrava, ela cessou a canção. Ah, gato danado! Será que nunca mais vai voltar?
O som do violino tocando a Música de Nicolas às suas costas deu-lhe a resposta que procurava. Com um sorriso, a Rainha Desvairada de Renorah fechou a janela.