segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

[Mudanças em Renorah]

O Gato de Sapatilhas de Balé permanecia ali, sentado, inalterável, sem parecer querer interagir com o mundo ao redor.
A Rainha Desvairada de Renorah brincava com uma bolinha de borracha, atirando-a mil vezes na parede, completamente enfastiada.
- Toca-me uma música, Gato.
O Gato permaneceu parado. Sentar-se a encarar a parede à sua frente parecia-lhe uma tarefa por si só interessante demais para que desejasse fazer outra coisa.
Sentando-se na beira da cama e deixando que a bolinha de borracha quicasse perdida no chão do quarto mais alto da torre mais alta do castelo ao centro de Renorah, a Rainha Desvairada desabafou:
- Estou entediada - disse, procurando a atenção de seu fiel conselheiro.
Com um bocejo seguido pela espreguiçada mais felina que o Gato de Sapatilhas de Balé pôde dar, ele virou-se para a Rainha.
- Que desejas, milady?
A Rainha se levantou e caminhou até a janela.
- Algo diferente, meu caro Gato. Cansei-me da mesmice.
Acendendo seu cachimbo de hortelã enquanto se aproximava da janela, o Gato resmungou entre os dentes:
- Sim, minha Rainha, sei a que se refere... - e, com um longo trago em seu cachimbo, o Gato suspirou.
A Rainha pôs-se de costas para a janela, encarando o grande espelho na parede oposta.
- Não suporto mais esta imagem, Gato.
Apoiando os cotovelos na janela, o Gato tragou outra vez o cachimbo de hortelã.
- Não agüento mais este quarto. Nem esta torre. Nem este castelo. Ou este reino.
- Ou este Gato... - o Gato completou, suspirando e olhando para algum ponto perdido das Colossais Muralhas de Vidro do Reino de Renorah.
Um silêncio se fez no quarto da torre mais alta do castelo.
- Ou esta Rainha. - a Rainha completou, passando as mãos nos longos cabelos dourados.
O primeiro tom de vermelho inundou o quarto, anunciando o início do pôr-do-sol por detrás das Muralhas de Vidro.
- E o que pretendes, minha Rainha?
- Quero novas cores. - a Rainha respondeu.
Lentamente, a Rainha se despiu do manto vermelho.
O laranja fez-se presente no quarto como segundo passo em direção ao final do dia.
Animando-se, o Gato pousou o cachimbo de hortelã no beiral da janela e correu para um baú no canto do quarto.
- O que me diz deste manto? - o Gato perguntou, exibindo um manto azul.
- Sem mantos. - a Rainha respondeu, enfática.
O Gato voltou para o baú, perdendo-se entre as inúmeras cores que apareciam à superfície.
- Quero novas formas. - a Rainha disse, desabotoando o longo vestido laranja.
O amarelo invadiu o quarto com rapidez, ofuscando os olhos azuis da Rainha.
Vindo do fundo do baú, o Gato trazia-lhe uma casaca cor-de-rosa.
- Dizem os sábios, Majestade, que o cor-de-rosa é uma cor deveras feminina, e ficará muito bem em Vossa Senhoria.
Com um aceno, a Rainha recusou. O Gato voltou a mergulhar no baú.
- Quero novas visões. - abrindo o espartilho amarelo, a Rainha parecia determinada.
Atenuando a vibração das luzes, o verde tomou espaço nas paredes brancas do quarto.
- E branco, minha Senhora, o que pensas? Branco traz paz, iluminação, tranqüilidade...
- Brancos refletem, nunca produzem, querido Gato. - a Rainha respondeu - E quero novos momentos - acrescentou, tirando as meias verdes.
Anunciando a tranqüilidade de uma nova noite, o azul refletiu nas roupas brancas que o Gato ainda exibia. E, mais uma vez, o Gato mergulhou em meio às cores.
Despindo-se por fim de suas ceroulas azuis, a Rainha observou-se nua à frente do espelho.
O Gato emergiu com um sorriso extremamente felino do fundo do baú.
- O que me sugeres, amigo Gato?
O último tom de violeta refletiu na pele muito clara da Rainha.
- Assim estás perfeita. - disse o Gato, fechando o baú.
Colocando em seu próprio rosto um sorriso, a Rainha tragou o cachimbo de hortelã e, levando o Gato de Sapatilhas de Balé no colo, caminhou para a porta do quarto.

2 comentários:

Marcela Jones; disse...

pelo menos sabemos quem é a escritora da família. ainda bem :)

Marcela Jones; disse...

OO, vindo de você isso é um empurrão para frente.
sinto mesmo sua falta. :**