sábado, 27 de junho de 2009

[Analista de Papel ou Sobre a Morte]

É necessário falar sobre a morte.
Não adianta evitar, não importa quão dolorido seja o assunto. É necessário falar.

Prepare-se: este é mais um daqueles posts de desabafo, de idéias (com acento, me recuso a aceitar a reforma ortográfica) sem futuro, de momentos de silêncio. Como algo escrito de mim para mim. Portanto convido a quem não quiser acompanhá-lo que visite outro endereço, navegue na internet ou vá ouvir uma música do Michael Jackson.

Não, a morte do Michael Jackson não é o motivo da escolha deste tema. Eu nunca fui fã, e confesso que há alguns anos tinha verdadeiro ódio do Rei do Pop. Coisa totalmente passageira, e reconheço hoje que ele era talentoso e sua decadência e morte foi uma grande perda para o mundo musical.
Mas também confesso que toda a cobertura e as homenagens na mídia me incentivaram a escrever sobre o que há tempos eu deveria ter escrito.

Hoje é madrugada do dia 27 de junho de 2009. Há quase três meses, no dia 29 de março, eu pela primeira vez sentia na pele o que é de fato a morte.
Desde muito pequena - talvez menor do que a maioria das pessoas - eu sabia que as pessoas morrem. Meu avô materno morreu de leucemia quando eu tinha 2 anos, e eu desde então sabia que nunca mais iria vê-lo. Dois anos depois, foi a vez da minha bisavó paterna ir para o misterioso lugar de onde as pessoas não voltam.

Mas depois disso, salvo por uma ou outra experiência de conhecidos que morreram, eu passei por 16 anos de calmaria. E, mesmo após perder meu avô paterno no início deste ano, foi apenas dois meses depois que eu de fato descobri o que é a morte.

Eu tinha aquela avó. Era a minha avó paterna, e uma pessoa um tanto conturbada e que por vezes causava sérios atritos entre a família. Mas quis o destino que eu saísse da casa dos meus pais mais cedo do que imaginei, e que fosse morar longe deles e próximo de Maria Ignez Ribeiro Silva. Maria Ignez Ribeiro, como assinava aquela senhorinha simpática e com cara de "vovó" que disfarçava uma mulher extremamente inteligente e engajada politicamente. Aquela mulher que participara das primeiras reuniões do Partido dos Trabalhadores, que vira de perto os primeiros comícios de um sindicalista chamado Luiz que se tornaria o seu maior ídolo e precisaria de vinte anos para enfim se tornar Presidente do país que ela tanto amava.
Durante dois anos nos tornamos próximas, sempre juntas a ir aqui e ali ou a ficar em casa apenas "preguiçando" e conversando. Nos tornamos amigas, ela sempre a contar histórias sobre a família ou a vida política do Brasil, eu sempre a ouvir e a perguntar.

Até o dia em que decidi conhecer novos horizontes. Embarquei num avião com destino à Nova Zelândia, lá do outro lado do mundo. E por lá fiquei durante dez meses, telefonando sempre que possível (com menos freqüência do que deveria devido à forte surdez da qual minha avó era vítima), prometendo cartas que apenas uma vez escrevi. Afinal eu logo viria ao Brasil e poderia contar todas as novidades frente a frente, tendo a certeza de que ela entenderia tudo o que eu falasse.

Mas aí veio o dia 29 de março de 2009. No meu fuso-horário de 15 horas na frente, era em torno das 4 horas da tarde do dia 30 de março quando o telefone tocou. Era minha mãe, e a ligação estava péssima, mas a notícia que ela gritou entre chiados do outro lado pôde ser ouvida com clareza.

Foi assim que eu descobri coisas que todo mundo fala mas que a gente nunca quer levar a sério:
- Pessoas morrem sem avisar.
- Às vezes você não tem tempo de se despedir.
- Não importa quão forte seja a sua ligação com alguém, você nem sempre sente quando coisas ruins acontecem.

E também descobri que uma grande máxima não passa de mito:
- O tempo não cura a dor e nem a torna mais suportável. Ele só ensina você a pensar menos e com menor intensidade sobre assuntos que doem.

Não é que a morte do meu avô, dois meses antes, tenha sido menos sentida. Mas meu avô sempre foi uma pessoa de saúde debilitada, e que nos últimos 2 anos passava mais tempo em hospitais do que fora deles, e a cada vez que precisava voltar a ser internado a situação era pior. Chegou ao ponto, em sua última internação, de que nós da família rezávamos para que ele se fosse logo, porque vê-lo sofrer e definhar cada vez mais era dolorido demais para nós e para ele.
Não importa o quanto digam o contrário, mas estar psicologicamente preparado para uma morte faz toda a diferença.

E minha avó não. Ela não estava doente, a última vez que estivera em um hospital eu deveria ter uns 8 anos, e depois disso - exceto pela osteoporose - ela era saudável a ponto de espantar os médicos quando fazia exames de rotina.
Um dia ela caiu. Levou um tombo besta dentro de casa, mas que graças à osteoporose causou uma fratura no fêmur. Uma cirurgia para colocar pinos, ajudar o osso a se recuperar. E desta vez o destino quis que a cirurgia provocasse uma embolia pulmonar, quase um mês depois.

Foi da forma que ela sempre quis: rápido, indolor e antes que ela ficasse velha demais a ponto de depender dos outros.

As mudanças que isto causou em mim foram tantas, tão repentinas e profundas que ainda não pude parar para analisar os danos. Aos poucos estou notando, dia após dia, todos os efeitos que a morte tem para quem fica.

E falar sobre isto é o primeiro passo na busca por mim mesma.

Um comentário:

Diego disse...

A morte é algo dificil de lhe dar, talvez pelo medo.
Encarar a morte de frente não é pra qualquer um.
Mais uma frase que fazsentido nessas horas

Agente só da valor quando perde;
Oi ao menos dá mais valor.