quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

[Inspiração Sem Origem]

Certamente coisas sem explicação seriam vistas por debaixo daquela nuvem de fumaça, caso a fumaça em si não fosse tão espessa.
Era a certeza da ausência de presenças – faça isto quanto sentido possa vir a fazer – que trazia a insegurança quanto ao pretérito imperfeito do futuro mais-que-bem-passado. Como um filé ao molho madeira esfriando ao tiquetaquear do relógio de parede.
Foi um gato correndo sobre as teclas empoeiradas de um piano desafinado. Foi a mosca batendo irritante e constantemente no vidro da sala, como quem crê que se tentando com fé todos os obstáculos podem ser vencidos.
Aquela pessoa, homem ou mulher, sentada de pernas cruzadas no chão, correndo os dedos pela máquina de escrever, sem real consciência do que era impresso na folha de papel. E era o som das teclas batendo ritmicamente, em uma harmonia com a torneira pingando na pia da cozinha.
Não haveria mais sentido. Mas nunca realmente houvera. Se o teto virasse o chão em que a pessoa estava sentada, faria isso alguma diferença? Se na lareira crepitando ao seu lado direito passassem a dançar labaredas cintilantes em tons de azul e cor-de-rosa, qual seria o peso exato que isto teria sobre a relação indivíduo/mundo ao seu redor? E quem em sã consciência ousaria afirmar com real convicção que o chão não era o teto e que na lareira não dançavam labaredas cor-de-rosa?
Mas havia um som. E eram vários. Foram inúmeros sons espalhados ao redor da casa, em seu interior e no interior daquela pessoa que febrilmente escrevia, sem poder ter certeza de que as palavras impressas na folha à sua frente pertenciam a si mesmo ou a qualquer outra pessoa que pudesse estar ali, agora mesmo, em seu lugar ou em qualquer outro lugar do mundo!
Outro lugar do mundo... Sim, haveria então outro lugar no mundo que não aquele em que a pessoa estava? Sim, certamente haveria, embora aquela pessoa não pudesse afirmá-lo sem correr o risco de perjúrio. Afinal, que certezas poderia ter uma pessoa sentada no chão de pernas cruzadas escrevendo palavras que talvez não fossem nem mesmo suas?
Palavras, palavras e palavras... Talvez fosse Hamlet ou Telmah, não saberia dizer e tampouco faria diferença se soubesse. Qual seria a razão daquilo tudo, quais seriam os tipos de racionalização que aquela pessoa sentada de pernas cruzadas poderia ter?
E eram respostas vestindo máscaras de perguntas. Mas não seriam todas assim? Quem, afinal, faz perguntas sem poder visualizar qual será a resposta? Seria como dar um passo rumo a um abismo escuro, como poderia saber se encontraria a ponte?
As palavras que não eram suas... O som que era vários e que eram um só habitavam o ambiente, acompanhados pelo miado baixo do gato querendo atenção.
E foi assim que, deixando de lado a máquina de escrever e esticando as pernas, a pessoa se levantou e foi afagar o gato.

2 comentários:

Caranguejo Excêntrico disse...

É.
Como posso ter certeza de que existe alguma coisa lá fora se a porta está fechada?
Hum.
Acho que a única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
42, então.
Ou não.
o.O

Tati Leutwiler disse...

42. Com certeza.