sexta-feira, 7 de maio de 2010

[Por Amor]

Postado originalmente em 29 de novembro de 2006

Amava aquele homem. Sempre o amara, há mais de dez anos. Dez anos, dia após dia ao seu lado, e ainda assim o amava cada dia mais. Sentia-se completa por viver junto com ele, por ser amada por ele na mesma intensidade que o amava. Na visão dela, não precisavam de mais nada para serem felizes; já o eram.
Entretanto ela sabia que ele não pensava assim. Sempre soubera, mas nos últimos três ou quatro anos ela sentia vir dele um sentimento cada vez maior de vazio. Para ele a vida jamais seria completa sem um filho. Um apenas, que fosse, mas um filho. E um filho dela.
Estivera pensando muito sobre o assunto nos últimos meses. Era insuportável para ela vê-lo naquele estado, com aqueles olhos tristes mirando o vazio. Estaria ela disposta a tudo para fazê-lo feliz? Até mesmo disposta a dar-lhe um filho, embora sempre tivesse abominado a idéia?
Helena revia sua vida ao lado daquele homem que amava acima de tudo. Nunca, em momento algum, ela sentira a falta de uma criança. Mas respirou fundo naquele dia, no dia em que jogou fora as pílulas anticoncepcionais. "Apenas um mês sem elas. Se não der certo, volto a tomá-las." - jurou para si mesma, fingindo não torcer secretamente para que não desse certo.
Fingiu também para si mesma que não caiu em desespero ao ler o resultado positivo do exame. E fingiu felicidade ao contar para ele a notícia. Segurou estoicamente as lágrimas quando ele a abraçou, debulhando-se em choro de alegria. E quando ele, radiante de felicidade, telefonou para a família e os amigos dizendo "Eu vou ser pai, eu vou ser pai!".
No dia em que se sentiu enjoada com o aroma do bolo que ele preparara, Helena respirou fundo para deter o vômito que lhe subiu pela garganta. E quando não pôde mais segurar e deixou que o almoço descesse pelo vaso, fingiu não se abalar diante do homem que amava.
Mas em cada momento, quando se encontrava sozinha, ela libertava a angústia e o desespero que lhe dominavam. Não conseguia mais sentir-se feliz, nada mais a alegrava. Nem mesmo a felicidade daquele homem que a amava, quando ele começou a trazer roupinhas e sapatinhos para o bebê.
E houve também o dia em que ela percebeu a mudança em seu corpo. Em que o relevo no ventre não pôde mais ser ignorado. E também houve as noites, quando ele beijava e acariciava-lhe a pequena acentuação em sua barriga e quando ela chorava em segredo.
Disfarçava como uma mestra a infelicidade que sentia quando os amigos e os parentes a parabenizavam e contavam suas experiências e riam felizes da alegria do casal. Quando diziam que não havia felicidade maior para alguém do que gerar uma vida em seu ventre, do que poder um dia acordar e dizer "meu filho", e ser chamada de mãe. E quando ela não podia mais segurar o desespero, fingia ter enjôos e trancava-se no banheiro a chorar convulsivamente, com a mão sobre o ventre já bem avantajado.
Às vezes Helena tentava fingir para si mesma que bem estava gostando de tornar-se mãe. Prostrava-se diante do espelho, nua, e acariciava-se a barriga cada vez maior. E conversava por um certo tempo com a criança que lá ocupava espaço, até perceber que as lágrimas que desciam pelo seu rosto não eram de emoção e sim de desespero.
Sentia-se invadida, irreparavelmente invadida. Ela sempre fora dona de si, desde que se lembrava, e não suportava a idéia de ter outra vida invadindo seu corpo, invadindo sua vida. E quando ele, aquele homem que ela amava tanto a ponto de ter-se sacrificado desta forma a beijava, ela sentia crescer dentro de si uma repulsa não por ele, mas por ela mesma.
E houve então o dia em que ela sentiu aquela dor imensa. E em que fora levada para o hospital e permanecera em trabalho de parto por horas. E em que, ao fim de tudo, o médico lhe entregara nos braços o bebê, aquela criatura minúscula. E em que o homem que a amava abraçou-lhe chorando de felicidade enquanto ela chorava de angústia.
Quando ela teve que dar de beber à criança, quando teve que oferecer-lhe o seio para alimentá-la, quis chorar de ódio e infelicidade. E quando foi para casa, não conseguia suportar mais tempo que o necessário ao lado daquele bebê.
Passados os primeiros dias e o êxtase inicial, o homem que ela amava acabou por perceber sua tristeza. E tentou alegrá-la, dizendo sobre ser natural uma certa depressão após dar à luz, mas que com o tempo ela sentiria novamente a felicidade de ser mãe.
Mãe... Esta palavra ficou-lhe entalada na garganta junto com a vontade de chorar. Sentiu-se sufocar de tristeza ao pensar em ser chamada de mãe.
Ela tentou apagar a tristeza e convencer-se de que isso passaria. Tentou dizer a si mesma que amava o bebê que dormia no quarto ao lado. Mas a verdade é que não amava. Não o odiava, é certo, mas também não o amava. Não conseguia sentir absolutamente nada por ele.
Passou-se o primeiro semestre, e depois o primeiro ano, e nada fazia-lhe amar aquela criança. E, para seu desespero, começou a perceber que também não conseguia mais amar aquele homem que dormia a seu lado. Não conseguia nem mesmo amar a si própria.
Quando a criança começou a falar, "papai" foi a primeira palavra. E o pai, coberto de alegria, tentou-lhe ensinar a dizer "mamãe". Mas veio a segunda palavra, e a terceira, e a quarta e nenhuma delas se referia à mãe.
Helena começou ainda a sentir-se culpada por não amar a criança a quem dera à luz. E tentava forçar-se a passar mais tempo ao lado da menina, mas cada minuto era como uma eternidade no inferno. E Helena chorava todos os dias, sem mais se importar em esconder do homem que a amava.
E ele começou também a se desesperar, e fazia de tudo para que ela sorrisse. Mas ela não sorria, e veio o tempo em que ela cansou de chorar. Não sorria, não chorava, nem se esforçava em mais nada. Sentada diante dos livros que sempre amara, ela cansou de lutar contra si mesma.
Não tentou segurar quando o homem que amara saiu de casa levando a filha. Na realidade, sentiria alívio por não precisar mais ver a menina, se ainda fosse capaz de sentir algo.
E quando enfim morreu, não teve a filha em seu enterro. 

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