sexta-feira, 7 de maio de 2010

[Sobre amigos e desvairios]

Postado originalmente em 23 de outubro de 2006

Uma coisa que eu acho importante dizer é que eu nunca fui, assim, aquilo que se possa chamar de "normal". Quando eu era pequena costumava ter amigos imaginários. Até aí, toda criança normal também tinha. Há muito tempo, tanto tempo que nem eu me lembro disso (mas minha avó sempre me conta), eu tinha uma amiga imaginária chamada Letícia. Não lembro dela, nem sei o que foi feito da pobre. Espero que não tenha se tornado um bicho-papão (dizem que é isso que acontece com amigos imaginários quando nós deixamos de acreditar neles). Me sinto meio culpada dizendo que não lembro dela, mas tudo bem. Onde ela estiver, tomara que entenda que não fiz por mal.
Depois dela eu criei uma verdadeira compulsão por amigos imaginários. Talvez porque eu, até os cinco anos de idade, fui praticamente a única criança com quem eu tinha contato (tá, eu vou à "escola" desde que eu tinha quatro meses de idade, mas não tinha o que costumamos chamar de amigos), dentro de um apartamento na rua Caiowás, em Perdizes (Sampa). Pensando agora sobre isto, imagino que devo ter esquecido muitos amigos imaginários naquele apartamento quando me mudei para Águas de São Pedro. Tomara que alguma criança os tenha achado.
Quando vim para Águas, minha imaginação explodiu. Criei tantos amigos imaginários que, bem... eu não podia mais dizer que tinha apenas amigos imaginários. Eram verdadeiras turmas imaginárias. E cada dia eu ia brincar com uma delas. A turma com que eu mais brincava era aquela formada por personagens de desenhos da Disney. Ah, quanto eu não desabafei com meu grande amigo Lumière (o castiçal do desenho "A Bela e a Fera")! E quantas vezes eu não corria pelas savanas africanas, transformada em leoa, ao lado de Simba e Mufasa (ambos adultos, porque nas minhas turmas ninguém podia morrer).
Um pouco mais velha, então, eu mesma comecei a me tornar uma personagem imaginária. Fui Taís, Priscila, Luíza e muitas outras (devo acrescentar que estas serviram de molde para minha querida Eliza Montecastro). E aí, como acontece na vida real também, meus amigos imaginários de infância seguiram por caminhos diferentes, e hoje apenas lembro deles com uma nostalgia gostosa... Espero que estejam bem. Mas, no mesmo grau, outros foram surgindo.
E então aconteceu: eu entrei na adolescência. Pavor para meus amigos imaginários; seriam logo esquecidos. Mas a perda dói, sempre dói. Então, o que fiz? Simples: promovi-os de meros e infantis amigos imaginários para grandes e adultos desvairios.
Claro que não parei por aí a construção de personagens. Meus desvairios foram ficando cada vez mais intensos durante a adolescência, cada vez mais personagens surgindo das minhas personalidades (ah, sim... desde que eu consigo me lembrar, tenho personalidades múltiplas).
Mas ainda havia mais um passo: entrar na vida adulta. Desvairios são maravilhosos, mas quando acontecem na vida adulta podem ser perigosos. Podemos ser tachados de loucos. Mas mais uma vez arranjei a solução: promovi novamente meus desvairios, tornando-os inspiração. E passei então a escrever sobre eles. E minhas personagens passaram a escrever também, e contar suas histórias através de suas próprias mãos.
É este meu objetivo aqui. Deixar que elas falem por si próprias. Deixar que meus desvairios (algumas vezes eu desvairio por mim mesma, sem precisar de personagens para isso) virem histórias, coisas interessantes de serem escritas e (principalmente) lidas. Será que consigo?

Por Tatiana 

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