sexta-feira, 7 de maio de 2010

[De 28 de fevereiro do ano corrente]

Postado originalmente em 20 de fevereiro de 2008


Estava sozinha. Finalmente sozinha. Após tanto tempo passado com tanta gente, tão falantes, tão presentes. E como falavam, pelos deuses! Tagarelavam tanto que quase a haviam deixado louca. Era tanta gente que fez surgir a já quase esquecida fobia social, aquela mesma que tantas vezes a fizera preferir ficar em casa assistindo televisão do que ir a uma festa cheia de gente.
Já não sabia mais o que era silêncio. Havia esquecido, ou ao menos pensava haver esquecido. Se houvesse realmente esquecido, não o ansiaria com tanta devoção. Era uma apaixonada pelo silêncio, sempre fora. Os sons do silêncio sempre a confortaram, a trouxeram à realidade.
E agora estava sozinha. Finalmente sozinha. E em silêncio, ah!, tão almejado silêncio!
Olhou a seu redor. Sim, sozinha. Nem uma alma viva no raio dos trinta metros quadrados de seu refúgio, a não ser por uma hamster que escalava alegremente as grades de sua gaiola. Em silêncio.
Ah, o silêncio... Agora sim os pensamentos poderiam fluir. Vamos, deixe que os pensamentos fluam! Mas... Que pensamentos?
Ah, a solidão... A tão desejada solidão que a faria voltar a pensar novamente... Mas... Pensar o quê?
Começou a andar em círculos pelo quarto, procurando ter algo sobre o que pensar. Poderia ler um livro – o que andava em muita falta ultimamente, aliás -, mas a verdade é que não conseguiria se concentrar sabendo de todos os pensamentos que poderiam fluir se ela não estivesse lendo.
Mas... Que pensamentos?
Pegou então caneta e papel, ansiando terrivelmente por escrever. A caneta riscou furiosamente o papel, criando traços que poderiam gerar as mais profundas poesias de todos os tempos. Mas tudo o que os traços geraram foram... traços.
Traços. Traças. Estava às traças. Havia algumas na parede, e elas se escondiam em seus cascos quando ela as tocava. Fugiam de qualquer contato com o mundo exterior. Queriam ficar sozinhas, em sua eterna solidão dentro de seus cascos. Era também o que ela queria. Não era?
Não era. Ainda era. Era?
Sim, havia Eras que não ficava sozinha. Este silêncio que agora a ensurdecia era algo que ela não ouvia havia Eras. E seria tão poético... Se não fosse tão... silencioso.
Ela, que havia não muito tempo – ou havia muito tempo, e ela fora pelo Tempo consumida e não notara o Tempo passar? - fora tão hábil em brincar com as palavras, em usá-las da forma que bem quisesse, não era capaz de escrever uma única linha que fizesse sentido.
O sentido. E o relógio sempre anda no sentido das horas. Qual é o sentido das horas? E minutos e segundos, será que têm sentido? O que será que as horas têm sentido?
As palavras haviam sido um dia – no mesmo dia em que o silêncio não a ensurdecia – tão garbosas e elegantes em suas mãos. Ela as despira e as desvirginara ali mesmo, no mesmo caderno que agora ostentava traços desordenados. Havia sido sua lua-de-mel secreta, na qual só ela e suas palavras existiam. Teria este dia existido?
Pensando sobre este dia – sem perceber, os pensamentos brotavam de sua cabeça despreocupadamente preocupada -, ela chegou a pensar – mais pensamentos! - que talvez ele nunca houvesse existido. E, querem saber? Chegou até mesmo a pensar que talvez ela mesma não existisse. Ora, como poderia ter certeza? “Penso, logo existo” não era o bastante para ela. Afinal, quem é que disse que ela pensava?
E o silêncio ensurdecedor agora a dominava totalmente. Pensou em ligar a televisão no volume mais alto, colocar a música mais barulhenta para tocar no rádio. Mas sabia que de nada adiantaria, pois o silêncio que a ensurdecia vinha de dentro dela. Ela. Ela era a culpada, sempre fora. E sabia disso, assumia de todas as formas, em cada gesto, em cada pensamento... Mas será que ela existia?
Não que o silêncio interior fosse o culpado por esta pergunta. Afinal, nunca tivera real certeza de que existia, e isto era uma dúvida que a atormentava. Como poderia saber que não era fruto de uma mente perturbada, e que todas as pessoas com quem ela tivera contato não eram apenas uma forma de tentar provar a si mesma que existia? Quem sabe? Quantas vezes já não tivera a sensação de não estar ali, quando seu corpo parecia estar? Quantas e quantas vezes já não tivera que forçar-se a prestar atenção ao que acontecia, mesmo sem ter certeza de que estava mesmo acontecendo?
Aquela sensação a acompanhava desde que podia se lembrar como gente. Se é que realmente era gente. Se é que realmente existia, quero dizer.
Era assim, sem saber nem querer nem pensar, que ela estava em frente ao computador. Não sabia o que dizia, mas parecia estar dizendo. Ao menos, tentava calar o silêncio em sua mente.
Com sucesso, devo assegurar.
E agora estava sozinha. Finalmente sozinha. Mas nunca antes tivera tanta vontade de ter pessoas ao redor.
Decidiu acender um cigarro e pedir uma pizza.

Por mim mesma, ora bolas! Quem mais haveria de ser?

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