sexta-feira, 7 de maio de 2010

[O Início de Rusemberto]

Desde pequeno ele sabia que era diferente. Nasceu já sabendo que se chamaria Rusemberto. Claro que ele ainda não sabia que este não era um nome exatamente comum entre os humanos, mas como ele também não seria uma pessoa comum entre os humanos, não poderia haver nome mais perfeito.
Mas assim Rusemberto cresceu. Sempre soube o que estava por acontecer. Soube, por exemplo, que andaria no dia exato em que começou a andar. Soube antes de falar que sua primeira palavra não seria “papá” ou “mamã”, mas “pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico”. Claro que isso assustou seus pais, que não tinham a menor idéia do que significava a primeira palavra do filho, e na verdade não sabiam nem mesmo como escrevê-la no álbum do bebê.
Aos três anos, Rusemberto soube que teria uma irmã antes mesmo que ela fosse encomendada. E na noite em que seus pais estavam chamando a cegonha, ele desenvolveu uma avançada teoria sobre a Gênesis do Antigo Testamento, que só não colocou na internet e ganhou vários prêmios internacionais porque a internet ainda não havia sido inventada.
Quando viu sua irmã pela primeira vez, soube imediatamente que ela não queria se chamar Rusemberta. Tentou argumentar com seus pais, que só não colocaram o nome Alsbengóise na menina porque não foram capazes de soletrar para o escrivão.
Assim cresceram, Rusemberto e Rusemberta – que realmente sempre preferiu ser chamada de Alsbengóise.
A menina, ao contrário do irmão, nunca mostrou nenhuma diferença quanto às crianças de sua idade – e, curiosamente, nenhuma criança jamais mostrou dificuldade em chamá-la pelo apelido.
Mas Rusemberto continuava se desenvolvendo, sempre sabendo quando e como as coisas aconteceriam. Dizia “saúde” antes que seus colegas espirrassem. Falava “de nada” antes que lhe agradecessem um favor. Resolvia equações matemáticas antes que o professor decidisse quais números ia usar.
Claro que nada disso passava desapercebido. Quando Rusemberto entrou na quinta série, sua professora tentou convencer seus pais a mandarem-no para campos de pesquisa, onde seus dons poderiam ser melhor aproveitados. Seus pais, temendo que isso gerasse uma onda de ciúme crescente em Alsbengóise, resolveram não aceitar a proposta.
Rusemberto entrou devagar na adolescência, mas por opção própria. Sabia tudo o que lhe aconteceria, todas as dúvidas e revoltas, e resolveu adiar ao máximo a passagem. Mas sabia também que inexoravelmente teria que passar por esta fase para chegar a ser adulto.
Então, aos 16 anos, ele resolveu se tornar adolescente.
E foi aí que começaram as dúvidas. Ele sabia que era diferente, e agora sentia-se tão diferentemente diferente de todos que não entendia mais como se encaixar na sociedade.
Começou a formular questões filosóficas sobre a vida, a verdade e o universo, para as quais sabia que não poderia encontrar respostas.
Embora sempre tivesse sabido, começou a sentir que seus pais não se sentiam à vontade em sua presença, e que sempre haviam preferido brincar de bonecas com Alsbengóise a ouvir suas teorias sobre física quântica e biologia intermolecular.
Decidiu então fugir de casa. Juntou em uma mochila tudo aquilo que sabia que iria precisar, o que se resumia a lápis, borracha, alguns instrumentos de localização e várias folhas de papel – além de uma toalha.
Passou algumas noites vendo as estrelas nas estradas, pegando carona para cá e para lá com caminhoneiros, até que decidiu para onde queria ir: para o espaço.
E foi a primeira vez em que Rusemberto não soube alguma coisa. Não fazia a menor idéia de como ir para o espaço. Claro que havia desenvolvido projetos avançadíssimos de naves interplanetárias, mas sabia que para levá-los à prática precisaria de dinheiro. Contou em seus bolsos algumas moedas, mas sabia que não seria suficiente.
Nessa altura de suas decisões, ele se encontrava em um posto de gasolina sujo na beira da estrada, esperando carona de algum caminhoneiro que fosse para perto de onde ele queria ir. Mas é claro, ele sabia que nenhum caminhoneiro aparentemente queria ir para o espaço.
E um pouco antes que acontecesse, Rusemberto já sabia. Olhou para o céu no exato momento em que um objeto grande o suficiente para pousar na cobertura do posto de gasolina – o que de fato Rusemberto sabia que ele faria – desceu verticalmente do céu escuro.
Rusemberto se aproximou, vendo a porta que ele sabia que se abriria. Uma luz forte irradiava lá de dentro, e várias formas desceram por uma escada. Pareciam inconfundivelmente humanos – o que inevitavelmente Rusemberto sabia que eram – , e pareceram confusos por algum tempo antes de descerem da cobertura do posto.
Uma criatura que Rusemberto não podia ver por causa da luz forte, mas que sabia que não era humano, pôs a cabeça para fora do que parecia ser uma nave – o que realmente era – e pareceu olhar diretamente para Rusemberto – o que de fato estava – , antes de dizer numa voz arrastada e com forte sotaque estrangeiro:
- E aí, tá a fim de uma carona?

viajado por Tatiana 

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