sexta-feira, 7 de maio de 2010

[A Voz - parte II]

Postado originalmente em 16 de abril de 2008


Albert acordou, mantendo os olhos fechados. Fez as três perguntas básicas de antes de se levantar:
Quem sou eu?
Ah, sim. Sou Albert.
Com o que estava sonhando?
Sonhando, sonhando... Vejamos, não me lembro muito bem... Era algo estranho, só sei disso. Acho que eu estava com medo.
Onde eu estou?
Ora, estou em casa, pergunta mais besta!
Sentou-se na cama e abriu os olhos. Piscou duas vezes para ter certeza do que estava vendo. Não se convenceu. Esfregou os olhos, deu uma risadinha ("Vamos, Albert, já é hora de acordar...") e voltou a abri-los. O sorriso se desmontou em forma de "O" enquanto ele tentava entender o que via.
Era uma luz. Ou não era? Era claro, muito claro. Parecia sim uma luz. Levantou-se da cama e caminhou até a figura. Deu uma volta ao redor daquela luz que não era luz e brilhava suspensa do chão bem no meio de seu quarto.
Seu quarto? Não, não. Albert sufocou um grito ao ver as paredes se encolherem sobre ele. Aquele não era seu quarto, definitivamente. Mas acabara de se levantar de sua própria cama, disso tinha certeza. A cama estava lá, logo atrás dele. Virou-se só para ter certeza.
Sim, a cama estava lá. E era a cama dele. Verdade que não se lembrava de haver pendurado aqueles pompons cor-de-rosa na cabeceira, mas era sim a sua cama.
Ah, mas era a luz! Era aquela luz que não era luz que ele estava olhando. Precisava descobrir o que era, afinal. Voltou-se para o local de onde a luz se sustentava.
Tentando ignorar as paredes que se moviam como se tivessem vida, Albert se aproximou, observando atentamente. Tinha a nítida impressão de que aquela luz estava – por mais loucura que isto parecesse –olhando diretamente para ele.
Circundou novamente a luz, sentindo os olhos que não via seguirem-no. Pulou na cadeira e voltou para o chão, só para se certificar de que os olhos o seguiriam. E o fizeram.
"Certo, certo... Albert, já chega de sonhar..."
Deu-se um forte beliscão que doeu muito, como que para dizer-lhe que não estava sonhando.
Voltou à luz, absurdamente curioso. Estendeu os braços e tocou-a.
Foi como se fosse engolido por aquela luz. Na verdade, sugado. Como se aquela luz o sugasse para dentro de si, de um lugar cheio de luz que não era luz.
Ele rodopiou e rodopiou várias e várias vezes antes de ir de cara no chão. Sentiu as folhas secas bem diante de seu nariz. Já havia estado naquele lugar, conhecia aquelas folhas.
Levantou-se. Viu a luz bem diante de si. Já não era mais como um luz que nunca fora. Agora tinha formas. E olhos.
Albert sentiu-se perdido. Não sabia se deveria sentir medo ou não. Algo dentro dele, algo que não podia explicar e não se lembrava de onde vinha, dizia-lhe que já tivera medo daquilo. Mas a verdade é que já não tinha medo algum.
Olhou para as árvores e folhas ao redor e lembrou-se de tudo e seus olhos se arregalaram quase ao mesmo tempo em que pôde ouvir a luz que não era luz cantando lentamente:
“Se eu roubei... se eu roubei... teu coração...”

Continua... 

Nenhum comentário: