sexta-feira, 7 de maio de 2010

[O Jantar]

Postado originalmente em 3 de março de 2008


Decidiu que faria uma canja para o jantar. Era o mais prático. Seria rápido, mal se precisa mastigar para engolir.
Era uma sexta-feira. Mônica voltava do trabalho a passos rápidos pelo centro de São Paulo. Pegaria o metrô na Paulista e depois pagaria um táxi até sua casa. Detestava o rodízio de carros que a obrigava a usar o transporte público toda sexta-feira.
Sim, canja era um bom jantar para um feriado. Eram tantos pedacinhos de tantos ingredientes que mal se podia reconhecer cada um.
Ela estava cansada, como em todas as sextas-feiras. Ao menos viria o feriado prolongado até terça-feira para descansar. Iria ao cinema com Marcos. Havia tanto tempo que os dois não passavam algum tempo juntos que mal pareciam morar sob o mesmo teto. Trabalho, pós-graduação, horas-extras. Mônica agradecia aos céus ter encontrado um homem que não se incomodava em trabalhar meio período e cuidar da casa.
Ela insistira em cozinhar o jantar desta vez. Era um prato especial, podia ter certeza. Ele iria adorar.
Ela tirou os ingredientes, cortou-os em cubinhos. Pôs o arroz na água fervente. Seria uma canja inesquecível.
Em pé, espremida no vagão do metrô, Mônica pensava em Marcos. Sabia a sorte que tinha. Marcos era aquilo que ela podia chamar de “o homem da sua vida”. Ela o amava e era correspondida. Quantas mulheres encontravam um homem assim?
Ela refogou o frango com alho e cebola. Os legumes eram cozidos junto com o arroz. Pegou um copo para pôr mais água no arroz. Deixou o copo cair, se espatifando no chão.
Marcos não era como os outros homens. Ela esperava um táxi com um sorriso. Ela sabia que podia confiar nele. Era uma ligação como nunca antes imaginara possível ter.
Juntou os cacos num pano de prato. Enrolou o pano e o pôs em cima da pia. Apagou o fogo do frango, que quase queimara.
Entrou no táxi. Mais cinco minutos e estaria em casa.
Pôs o frango junto com o arroz e os legumes. Abriu a gaveta e retirou o rolo de macarrão.
Um problema no motor do táxi a dois quarteirões de sua casa. Iria a pé. Ao menos, não precisara pagar a corrida.
Encostou a porta da cozinha para abafar o barulho. Ele estava na sala, assistindo TV.
Da esquina podia ver o portão de sua casa. Pegou a chave ao mesmo tempo em que o portão abriu. Mônica sorriu por alguns instantes ao ver Marcos. Mas quem era aquela mulher que saiu enquanto ele segurava o portão?
Planejara aquela canja durante todo o final de semana. Ela sorria enquanto sentia o aroma bom vindo da panela. Pegou o pano de prato enrolado sobre a pia e bateu discretamente com o rolo de macarrão. O som dos cacos de vidro fez-se ouvir baixinho. Bateu novamente, e mais uma vez.
O sorriso de Mônica se apagou no mesmo instante em que ela estacou o passo. Fora um beijo discreto, mas fora um beijo. Sorrisinhos de Marcos e daquela mulher enquanto ela seguia rua abaixo. Ele fechou o portão.
Ela abriu o pano. Havia cacos tão pequenos que pareciam quase grãos de areia. Com uma expressão serena, ela despejou uma quantia dentro da canja. Nem a mais, nem a menos. Apenas o suficiente. Mexeu a sopa para misturar bem.
Ela não podia acreditar. Precisou de alguns minutos para deter a vontade de entrar correndo em casa e esfaqueá-lo até a morte. Não podia agir assim. Precisava ter calma. Muita calma. Ele não a vira.
Levou a canja para a mesa e serviu os dois pratos. Olhou para o sofá, para ele. Não havia dúvida em sua mente. Ela o amara demais.
Entrou em casa e o beijou normalmente. Ele não poderia desconfiar do que ela vira.
Caminhou até o sofá e deu-lhe um beijo.
- O jantar está na mesa.

por Tati 

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