sexta-feira, 7 de maio de 2010

[Sonho Realizado]

Postado originalmente em 27 de outubro de 2006


Programa do Jô. Meia-noite e meia.
"Ela está sendo considerada a reencarnação de Franz Kafka pela crítica. Ela é escritora, cantora e violinista. Eliza Montecastro!" - seguem-se aplausos entusiasmados da platéia. Eu me levanto, cumprimento o Jô (admito, eu sempre quis abraçar o Jô) e sento no sofá, ao som do sexteto. Bebo um gole da água (é água mesmo) da caneca em cima da mesa. Ao sinal, o sexteto fica em silêncio.
"Eliza, este aqui é seu último livro, não?" - Jô segura um exemplar do "Reflexo" nas mãos.
- Sim, meu último livro. - Me remexo no sofá. Não gosto de falar sobre este livro. Particularmente, ele não é minha melhor obra. Mas, por fim, foi por causa dele que eu vim parar aqui.
"Como você conseguiu ultrapassar a barreira entre o público e a crítica? Porque este livro é uma unaminidade tanto em um quanto no outro." - Jô põe o livro em um apoio sobre a mesa. O câmera enquadra a capa, que é exibida no telão.
- Olha, Jô... Esta é uma pergunta que eu me faço todos os dias. Quer dizer, o público gostar a gente até entende, tem tantos escritores medíocres como eu que eles gostam. Agora, o porquê da crítica gostar é uma grande icógnita. - Jô dá uma risadinha quando eu digo que sou medíocre. De concordância, será?
"Quantos livros você escreveu antes deste?"
- Foram... - faço as contas - cinco romances, um livro de contos e um de poesias.
"Qual o seu preferido?" - Ele faz a primeira pergunta que eu queria. Pelo menos assim posso mostrar um pouco do meu melhor, e não só essa grande merda que eu escrevi.
- Meu preferido é o de poesias. Acho que é porque tem muito de mim e ao mesmo tempo, muito pouco.
"E como ele chama?"
- "Rosas e Valquírias".
"Acho que a gente tem uma imagem dele pra mostrar. Willem, pode colocar no telão?" - a capa do meu livro aparece no telão - "É este, né?"
- Isso. - discorre-se então um chato conversê sobre minhas poesias. Realmente, detesto discutir sobre o que escrevo.
"E você tem uma banda, né?" - A pergunta me causa um orgasmo. Finalmente saímos do assunto chato.
- Sim, tenho.
"Como é o nome dela?"
- Der Ketzer.
"É um nome alemão, não?"
- Sim, é. A maioria das músicas nós cantamos em alemão também. O nome "Der Ketzer" significa "O Herege".
"Quantos integrantes tem na banda?"
- Somos cinco. O Marcos, baixista, o Miguel, guitarrista, o André, tecladista, o Felipe, baterista, e eu.
"O que você toca?" - Ele finge não saber. Oras, quando me anunciou ele disse o que eu fazia.
- Eu sou vocalista e violinista.
"Há quantos anos você toca violino?"
- Desde os... oito, acho.
"Então faz uns cinco anos, né?" - Jô tentando ser engraçado. Eu dou uma risadinha simpática, afinal gosto dele.
- Não, doze. Eu tenho vinte agora.
"Com essa carinha de quinze?" - Ele insiste na piada. Tudo bem, vamos brincar com ele.
- Todo mundo me fala isso. Tenho problemas para entrar em bares às vezes.
"E escrever? Há quantos anos você escreve?" - Jô segura a minha mão. Simpático, com aquela mãozinha gorda e branca (e fria). Sinto-me quase realizada.
- Isso não sei dizer, Jô. Faz muito, muito tempo. Nem lembro exatamente quando foi que comecei.
"Bom, deve ser desde dentro da barriga da sua mãe." - Grande piada. Minha mãe morreu quando eu tinha cinco anos. E, além do mais, eu sou filha adotiva.
- Eu sou adotada. - Dou uma risadinha para não quebrar o clima. Todos cometem gafes uma vez na vida. Ele dá uma daquelas risadas gostosas de gordo.
"Bom, eu adorei conversar com você. Você tem um senso de humor maravilhoso." - Senso de humor, eu? Ao fundo, a platéia solta um sonoro 'Aaaaaahhhhhhhhhhhhhh...'. Eu agradeço. - "Eu também gostei, gente" - Jô responde à platéia - "Eu conversei aqui com Eliza Montecastro!" - Aplausos.
Levantamo-nos, nos cumprimentamos e eu volto ao meu lugar para assistir às outras entrevistas.
Agora, sim. Sinto-me realizada.

Por Eliza 

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