sexta-feira, 7 de maio de 2010

[Um céu de Monet]

Postado originalmente em 29 de junho de 2008


Estava particularmente triste naquela manhã. Não sabia o motivo e não conseguiria responder se lhe fosse perguntado. Acordara triste, com a impressão de que o dia ainda não começara.
Vestiu-se mecanicamente, como se suas mãos soubessem sozinhas o caminho de cada peça de roupa e ela não precisasse guiá-las. Andou de meias pela casa procurando algo que não sabia o que era.
A verdade é que aquela manhã estava diferente. Ela olhava ao redor tentando identificar o motivo, qualquer que fosse. Procurou por algo fora de seu lugar, mas tudo o que pôde ver foi a casa em perfeita ordem. Todas as almofadas sobre o sofá, o controle remoto da televisão colocado corretamente sobre a mesinha de centro, o tapete sem pontas viradas. Na cozinha alguém lavara e guardara toda a louça em seu devido lugar. Enfim, nada parecia fora do que deveria.
Acendeu as luzes do corredor. Era uma manhã escura, como todas as outras de inverno. O sol demorava a nascer, mas seu relógio biológico impedia que ela acordasse mais tarde. Olhou pela janela e muito pouco pôde ver além da camada branca sobre a grama. Nevara durante a noite. Bom, ao menos isso explicava ela ter acordado de madrugada para ligar o aquecedor.
Mas ainda não sabia o motivo de sua tristeza. Olhou para as casas vizinhas, e elas permaneciam no mais absoluto silêncio.
Resolveu sair.
Vestiu suas luvas, escolheu o primeiro cachecol que pôde alcançar, pôs seu casaco e enfiou de qualquer maneira suas botas de andar na neve. Duvidava que houvesse algum comércio aberto, mas pegou algumas notas a fim de comprar pão, caso encontrasse. Fechou a porta da frente e deu uma respirada funda antes de sair andando.
A manhã fria e escura aprofundou a tristeza que ela sentia, beirando à melancolia. Não havia uma única pessoa na rua. As luzes dos postes, acesas, iluminavam pobremente o que o céu escuro recusava-se a iluminar. Ela olhou ao redor, além das casas. Ao longe não havia horizonte, o negro do céu engolia o chão branco em algum ponto que ela não era capaz de definir.
Estacou os passos. Chegara a um pequeno parque destinado às crianças que saíssem da escola em frente. Nenhum poste era capaz de iluminá-la ali.
Sentou-se num balanço, procurando ao redor algo que pudesse ver. Mergulhou de olhos fechados em pensamentos sem importância por vários e vários minutos.
Voltou à consciência quando sentiu a claridade invadir suas pálpebras cerradas. Abriu os olhos devagar, evitando ser ofuscada. E num minuto sua melancolia deu lugar ao embevecimento.
O sol começava a lutar para nascer. Ela podia sentir as contrações do céu, enquanto a curva das montanhas começava a se abrir. A manhã ofegava, as nuvens de branco tentavam a todo custo ajudar naquele parto. O sol começou a aparecer silenciosamente. Lentamente, foi-se espalhando o vermelho-sangue sobre o lençol azul-celeste. Sobras de placenta amarela davam o ar de sua graça na mistura de fluidos coloridos que se formava. As nuvens vestiam-se de todas as cores que poderiam querer, preparando-se para as boas-vindas ao recém-nascido. O sol, por sua vez, saía de seu invólucro escuro atrás das montanhas. Era já quase parte deste mundo. As nuvens começaram a dançar, contorcendo-se em formas quase lúdicas para então se estenderem em mil formas, alinhadas e coloridas como se houvessem sido colocadas ali por algum pincel na gigante tela. Era enfim nascido o sol.
Ela permaneceu mais alguns minutos sentada naquele balanço, ouvindo a cidade acordar para receber o sol. Então se levantou suavemente, como se tomasse todas as precauções para não estragar aquele quadro.
Caminhou para casa com um sorriso nos lábios. Agora, sim, tudo estava em seu lugar. 

Nenhum comentário: