sexta-feira, 7 de maio de 2010

[E Falando de Sonhos...]

Originalmente postado em 30 de outubro de 2006

Aconteceu tão de repente que Helena não conseguia dizer com certeza o momento em que o conhecera. Era um homem irritante, isso era. Na verdade, não sabia dizer se era irritante ou arrepiante. Não era bonito. Não, de forma alguma. Tinha olhos azuis penetrantes, mas isso não o fazia ser bonito. Pelo contrário, fazia-o parecer assustador, perigoso até. E talvez tenha sido este mesmo perigo que atraiu Helena para perto dele.
Conversaram um longo tempo. Ele era anti-social, completamente. Conversava com ela com aquele ar de quem preferiria fazer qualquer outra coisa. Mas conversaram assim mesmo. Ele era uma pessoa culta, dava para perceber. E foi assim que ele conseguiu encantar Helena.
Foram caminhando distraidamente enquanto conversavam. Pararam diante de uma cerca de madeira, alta e fechada. Sentaram-se diante dele para conversar mais. Já caíra a noite, mas Helena não se importava.
Ele mostrou para ela seus textos. Disse nunca antes ter mostrado para alguém, mas ela era especial. De alguma forma, ela o cativara. Helena leu os textos. Eram obscuros, tristes, de certa forma até macabros. Sentiu-se tão fortemente atraída por ele que o beijou. Ele correspondeu. E eram com lágrimas que se beijavam, não sabiam o porquê.
Então ele empurrou a cerca de madeira atrás deles. Era na verdade uma porta, que se abriu revelando o interior de um quarto. Era onde ele morava. Convidou-a a entrar. Ela assentiu.
Ele mostrou-lhe histórias em quadrinhos que ele fazia. Eram como os textos. Tristes, profundamente tristes. Beijaram-se novamente. Deitaram-se na cama. Não tinham pressa alguma.
Passaram a noite inteira juntos. Juras de amor eterno.
Ao amanhecer, ela levantou-se para ir embora. Deu-lhe um beijo e prometeu voltar. Com um rosto triste e sombrio, ele disse: "Você não voltará esta noite. E nenhuma outra. Diga-me que nunca mais irá voltar!". Sem entender, ela voltou a prometer voltar. "Não, você não voltará. Está me ouvindo?" ele aproximou-se furiosamente dela e segurou em seu braço "Você não voltará!". Então ele virou-se e entrou em seu quarto.
Helena não entendia por que não deveria voltar a vê-lo. Por isso, na noite seguinte ela apareceu no quarto. Bateu na porta. Nenhum sinal. Bateu novamente. Nenhum sinal. Empurrou a porta devagar. Estava muito escuro lá dentro. Entrou e acendeu a luz. Viu então a cena que jamais esqueceria.
Ele estava deitado na cama, nu. Sob ele, também nu, havia um cadáver putrefato. Ela gritou. Ele levantou-se, chorando e gritando. "Por que você veio? Eu lhe disse para nunca mais voltar! Para o seu bem, para o seu bem, entendeu?!"
Ela não correu. Chorou, apenas isso. Ele a abraçou, choraram juntos por muito tempo. Então ele se afastou. "Vá. Eu imploro, vá agora. Corra!". Ela não se moveu. Não poderia. Não correu quando ele, em prantos, segurou um bastão de madeira. Não correu quando ele implorou novamente, e novamente, para que ela fosse. Não correu quando ele bateu a primeira vez com o bastão em sua cabeça. E não correu no segundo golpe. No terceiro, não poderia correr mesmo que quisesse.
Ele deitou-se sobre ela. "Por que você veio? Por que você veio? Era para o seu bem, para o seu bem!". Chorava.
Então levantou-se e voltou para o primeiro cadáver.

Por todas nós. 

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